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sexta-feira – 05 de julho de 2019
A normalidade estabelecida pelos que produzem o rio São Francisco oficial segue deliberadamente omitindo a gravidade do rio real, onde o patrimônio natural é desintegrado e populações têm direitos básicos desrespeitados: o resultado da legitimação do domínio da água por setores mais e mais fortalecidos.
Normalidade. Sem qualquer reação, questionamentos, o setor elétrico segue estabelecendo o modelo do Velho Chico. Durante a 2ª reunião de acompanhamento do Sistema Hídrico do Rio São Francisco (videoconferência organizada pela ANA – Agência Nacional de Águas para tratar da situação) mais uma vez estabeleceu as regras de como o rio São Francisco deve permanecer até o final deste ano (veja a apresentação do ONS – Operador Nacional do Sistema elétrico com a mais recente modelagem de operações do rio São Francisco). Com o objetivo de “atender aos usos múltiplos”, parafraseando o jargão que oficializa a legitimidade do controle da água pelo setor elétrico.
Esta reunião, assim como a primeira, no início de maio passado, ocorre em substituição à Sala de Crise do Rio São Francisco, a partir da implantação da Resolução ANA 2081/2017. Segundo a ANA, como publicado em seu site em 08/05/2019, “a criação da Sala de Acompanhamento da Operação do Sistema Hídrico do Rio São Francisco foi motivada pela entrada em vigor da Resolução ANA nº 2.081/2017 em 1º de maio deste ano, com a emissão de comunicado da Agência em 30 de abril, etapa necessária para que a Resolução pudesse vigorar. A criação deste grupo coincide com o fim das atividades da Sala de Crise do Rio São Francisco, já que o conjunto de reservatórios da bacia saiu da condição crítica ocasionada pela seca na região desde 2012 “.
É interessante observar que, oficialmente, e este é o cerne da questão, a situação crítica do São Francisco, e particularmente no Baixo São Francisco, foi declarada “confortável” para a mídia a partir do pequeno aumento de vazão máxima regularizada, para o valor em prática hoje de 800 m³/s.
Ainda em 8 de abril passado, alguns dias antes da aplicação da Resolução 2081, o site do CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco divulgava manifestação do presidente da entidade, Anivaldo Miranda, citava que “o aumento planejado da vazão defluente de Sobradinho para 800 m³/s faz com que todos os usuários das águas da calha do São Francisco ganhem e o Comitê compartilha desse sentimento pensando, sobretudo, no alívio que proporcionará para o ecossistema e melhoria da qualidade das águas ao longo das regiões fisiográficas do rio” e prosseguia afirmando que “todos os usos múltiplos também ganharão com esse aumento de defluência, sem comprometer a política de manter a preservação do nível útil dos reservatórios em patamares seguros até o final de 2019, quando teremos novo período de chuvas nas cabeceiras do Velho Chico”.
A entrada em vigor da resolução ANA 2081/2017 sedimentou a situação do setor elétrico como ditador das regras em definitivo, sempre com a complacência dos demais entes da gestão e/ou dos estados e municípios afetados pelas operações de barramentos onde a ANA, por sua vez, oficializa em seu site que: “A necessidade de reformular as condições de operação dos reservatórios da bacia do rio São Francisco ficou latente durante o processo de gestão da seca iniciada em 2012 por que passa essa bacia. Ficou claro que o aumento da resiliência da bacia para o enfrentamento de períodos críticos demandava uma revisão nas condições de operação então estabelecidas, com o objetivo de, no longo prazo, aumentar a segurança hídrica para toda a área de influência do rio São Francisco.”
Indo mais além, a Resolução 2081 enraizou o controle das operações do São Francisco pelo setor elétrico, determinando a vazão mínima de 700 m³/s ignorando os 1.300 m³/s estipulados pelo Plano de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. No entanto, ainda sobre a Resolução 2081 o presidente do CBHS afirmou no site do órgão que “É um momento importantíssimo. A construção da nova resolução reflete, inclusive, o que consta na Lei 9.433, a Lei das Águas, que é a gestão colaborativa, participativa e descentralizada”.
Voltando ao patamar de vazão elevado para os 800 m³/s. Devemos ter o conhecimento de que, quando foi anunciado o dito alívio, o São Francisco era operado com vazões da ordem de 700 m³/s. Portanto, um aumento da ordem de 100 m³/ é insignificante (em variações do espelho d’água significa variação de cerca de 200 mm, em aumento da velocidade do fluxo, não é suficiente para a remoção de vegetação e algas invasoras), levando ainda em consideração o modelo de vazões médias mínimas dentro de um espaço de manobra, através de licença de operação do IBAMA que permite valores mínimos de até 685 m³/s, de acordo com a Carta Circular SOO-010/2019.
A normalidade oficial do fim da fase crítica da situação do São Francisco foi declarada e segue seu curso: com tranquilidade, sem qualquer resistência ou reações contundentes, a começar pelos estados e municípios da região que indecentemente se isentam da responsabilidade precípua de defender os interesses coletivos difusos de suas populações, entregues às suas sortes para a obtenção de alguma água para beber, dentro de padrões aceitáveis de qualidade.
Mantendo o que poderíamos qualificar, no vocabulário do português da região, como o coloio (palavra utilizada para determinar o acerto, acordo ou pacto entre pessoas, partes, em geral para uma ação, iniciativa algo que implicitamente significará desequilíbrio de forças gerando vantagem para os chamados coloiados em detrimento prejuízo para terceiros) da gestão das águas do rio onde os também denominados usos múltiplos são determinados, através do modelo de operação do rio, essencialmente e sem qualquer pudor pelo já conhecido setor elétrico. Nesse formato, cabe à populações do Baixo São Francisco, a água julgada suficiente por quem detêm as mãos sobre seu controle.
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A situação da péssima qualidade e difícil acesso à água para uso humano – em particular para a imensa população difusa – em um Baixo São Francisco reduzido a um real brejo de águas quase que paradas, repletas de algas verdes, vegetação invasora, além de inúmeros outros organismos como moluscos que se proliferam sem qualquer controle é a prova óbvia, ainda que sendo objeto de desqualificação através do tratamento e importância que lhe são aplicados, de que não há espaço para tão grave problema na gestão da água.
Observando os dois últimos relatórios da CHESF e disponíveis em seu site (os relatórios são uma condicionante, mensais e os mais recentes publicados são relativos ao mês de abril), os documentos RT – DOOH 007/2019 e RT – DOOH 008/2019, a empresa cita, em ambos que “ Não houve registro de novos problemas de maior criticidade junto aos demais usuários do rio, além dos que já foram apontados e devidamente tratados conforme exposto nos relatórios anteriores.”
Dois pequenos relatórios de seis e sete páginas que estabelecem, para os gestores, a base para a formulação do São Francisco oficial, não relevando, declaradamente, a destruição do patrimônio natural e as consequências para as populações que dele dependem para suas vidas.
É necessário lembrar que está em curso uma ACP – Ação Civil Pública (onde são réus a ANA, o IBAMA e a CHESF) onde a acelerada e crescente ocupação do rio pelas algas e vegetação exóticas invasoras inviabilizando o direito básico de acesso à água de qualidade está apresentada.
Agregando valor ao pouco valor que a gestão confere ao rio real, na mesma reunião da ANA do dia 7, foram apresentados resultados de pesquisa realizada pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas com particular atenção para a qualidade da água em um dos trechos mais críticos do Baixo São Francisco (entre Traipu e a foz). Segundo veiculado pelo site do CBHSF, foram encontrados metais pesados, fertilizantes agrícolas, esgotos domésticos e industriais, compostos orgânicos sintéticos, plásticos, petróleo e o composto Endosulfan, um inseticida altamente tóxico com o uso proibido no Brasil. Seriam comprovações sem criticidade?
Finalizando sua apresentação, o professor Emerson Soares, um dos coordenadores da pesquisa, expôs a posição da cunha salina (o avanço do mar dentro da foz do São Francisco) 16 km a montante da foz, acima de Piaçabuçu.
Ante tão farta e comprovada documentação, seriam esperadas reações imediatas, emergenciais, da parte dos gestores. Porém, o coordenador das reuniões, o
superintendente de Operações e Eventos Críticos da ANA, Joaquim Gondim, qualificou a apresentação da UFAL como algo que “tem mais o cunho motivacional, para que pessoas interessadas possam buscar mais informações”, sugerindo uma troca de informações com a CHESF cuja indicação da cunha salina “segue outro padrão”.
Lamentavelmente, seria permitida a constatação de que a ANA estaria sendo seletiva quando às fontes de dados relativos ao quadro do São Francisco o que não favorece uma linha de procedimentos de fato participativos, voltada para a proteção do mesmo: o monopólio de dados, modelagem, avaliações, estratégias e planejamento permanece, sem problemas, em mãos do setor elétrico.
Imagem do topo – Em 2013, pessoas vitimadas pela salinização da água na foz já vinham, há tempos, sendo submetidas à busca da água para beber. Imagem | Canoa de Tolda ©2019
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