A OCUPAÇÃO HUMANA NO VALE DO SÃO FRANCISCO
Há inúmeros e consistentes indícios de ocupações humanas sistemáticas no baixo São Francisco antigas de 12000 anos em relação ao tempo atual. São constatações que resultaram das pesquisas executas pelo então PAX – Projeto de Arqueologia de Xingó, hoje MAX – Museu de Arqueologia de Xingó, localizado em Canindé do São Francisco, SE, na corrida contra o tempo anterior ao enchimento do reservatório a barragem da UHE Xingó, nos meados dos anos 90.
Esta datação, em conjunto com o que foi levantado em diversos sítios arqueológicos em todo o Brasil, como na Serra da Capivara, PI, e Lagoa Santa, MG, coloca a região do trecho baixo do vale do São Francisco, como mais uma recorrência das mais antigas ocupações de grupos humanos das Américas.
Deve-se lembrar que, há vários anos a UFS – Universidade Federal de Sergipe vem desenvolvendo, através de seu departamento de Arqueologia, uma extensa pesquisa sobre a pré-história sergipana. É interessante notar que, de certa forma, há um número considerável de sítios arqueológicos situados na região da Bacia do São Francisco: talvez, pela situação provocada com a construção da UHE Xingó, que exigiu uma maior atenção para a região. Mas, não é incorreto admitirmos que a importância do São Francisco, o Opará de antes do europeu, já fosse relevante desde há muito tempo atrás. A existência de grande quantidade de água, alimentos relativamente de fácil obtenção, clima menos agressivo, proporcionavam maiores possibilidades de sobrevivência para os bandos de humanos daquela época.
Por este motivo, tomamos como base, para a apresentação de como acredita-se era a vida nestas margens, a publicação A Pré-História Sergipana, do professor Fernando Lins de Carvalho, editada pela UFS – Universidade Federal de Sergipe. Na publicação a presença antiga de grupos humanos no baixo São Francisco é comprovada, o que nos permite utilizar como referência sobre como aqui se vivia.
Veja o texto integral a Pré-História Sergipana aqui.
A PRÉ-HISTÓRIA SERGIPANA
Dentre os agrupamentos pré-históricos sergipanos, as sondagens, escavações e raras citações bibliográficas permitem, como hipótese preliminar, a identificação de três culturas: uma primeira cultura, anterior à fixação da tradição Aratu, a que denominaremos, para distingui-la, como Canindé, com datações obtidas em carbono quatorze (C – 14) e escavações em níveis mais antigos, permitindo-nos situá-la a partir de nove mil anos do presente; a Tradição Aratu, com maior volume de estudos arqueológicos na região, presente na grande maioria dos sítios arqueológicos sergipanos entre os séculos VIII ao XVII, e a Tradição Tupi-guarani, a mais recente, a
partir do século IX.
CULTURA CANINDÉ 9.000 AP – 1.280AP
CULTURA ARATU 800 a 1700
CULTURA TUPI-GUARANI 900 a 1900
A CULTURA CANINDÉ
A área pesquisada compreende sondagens e escavações em sítios arqueológicos sediados em terraços e afluentes do rio São Francisco, em canyon inundado com o represamento das águas do rio, em Xingó, Canindé. A história do homem na região nordestina teria começado há aproximadamente onze mil anos atrás (Martin, 1997). Sucessivas ocupações humanas deixaram seus vestígios em camadas superpostas de sedimentos, desde o inicio do holoceno. O clima da região é do tipo mediterrâneo, com sete a oito meses secos, de agosto a março. A precipitação total é inferior a 500 mm anuais. Desenvolveu-se uma vegetação de caatinga , sobre solos arenosos e rasos, nas proximidades da calha do rio.
Os grupos de pescadores-caçadores-coletores (PCC) estão registrados em inúmeras fogueiras para assar os animais que capturavam para sua alimentação, em necrópoles e expressiva quantidade de artefatos líticos resgatados. Os registros rupestres, como linguagem preservada, testemunham a presença dos grupos humanos no nordeste brasileiro. A caça disponível é caracterizada por espécies de animais de médio e pequeno porte que vivem dispersas na caatinga e requerem muito tempo para serem apanhadas. A maior parte vive em nichos específicos e aparece mais abundantemente em certas estações do ano. Os animais caçados pelos bandos xingoanos e que compunham a sua dieta alimentar são conhecidos pelos resíduos deixados em restos de banquetes ou, raramente, em pinturas nas paredes das rochas. São veados, capivaras, macacos, tatus, lagartos, tamanduás, tartarugas, peixes e um grande numero de aves.
Na região não havia (pelo que até então as pesquisas apontam) grandes animais gregários, sobre os quais se poderia criar uma economia de caça especializada e coleta generalizada, que parece constituir a sua identidade. Ela o distingue dos caçadores especializados das grandes planícies americanas, empenhados na caça de poucas espécies animais. Os PCC em região árida, inóspita para grandes rebanhos, caracterizam-se pelo aproveitamento de proteínas generalizadas e dispersas.
Com a impossibilidade de trazer a si os recursos por falta de tecnologia e de interferir na sua reprodução, desenvolvimento e localização, obriga-se o homem a buscá-lo através de estratégias mais criativas e sofisticadas. Os recursos necessários são alimentos, combustíveis, matérias-primas para a produção de utensílios, instrumentos e armas. Uma parte das matérias-primas decorre da própria alimentação, como peles, ossos, chifres, dentes ou carapaças. Para fabricação de instrumentos de uso cotidiano e armas, os minerais necessários estavam fartamente presentes na região de Xingó. Madeira e água, também abundantes.
Como os recursos, em parte, estão dispersos e a disponibilidade média é baixa, a sociedade da cultura Canindé precisava manter-se pequena e delimitar um território para provimento dos recursos. A delimitação do território implica em locais preferências de coleta, caça, abastecimento material e abrigo. Os sítios ocupam os topos ou flancos dos terraços e alguns abrigos em riachos afluentes, onde foram localizados, em sua maioria, os sítios de registro rupestre.
No início do quaternário já não havia mata fechada na bacia do grande rio. Os grupos de caçadores-coletores que se instalaram no baixo São Francisco, no pleistoceno, exploraram as potencialidades do ecossistema da região. A proximidade da água, com a presença da piracema nas corredeiras, com a fácil proteína animal obtida do peixe, a fauna disponível e constatada a partir de Fernando Lins de Carvalho 8 vestígios arqueológicos em fogueiras, a possibilidade de contatos interétnicos pelo rio tornaria os terraços do São Francisco, aparentemente, local ideal para a instalação de grupos de tecnologia simples e economia extrativista. No entanto, as constantes cheias do rio, atingindo até 25 metros acima do nível normal, tornavam-se fatais à manutenção de grupos humanos na maioria dos terraços. O fenômeno das cheias, por sua rapidez e capacidade destruidora promovia, no mínimo, o abandono temporário das ocupações.
Calderón (1967) cita que, ao longo do São Francisco, embora a presença de sítios cemitérios seja constatada com certa regularidade, são poucos os sítios de habitação. Provavelmente a ocupação tenha ocorrido no platô, com descidas para os terraços como espaços de abastecimento sazonal e área reservada para os enterramentos.
Os migrantes que chegaram ao rio eram caçadores e coletores de proteínas vegetais como sementes, raízes e frutos silvestres. Provavelmente deslocavam-se em pequenos grupos à procura de caça fácil e local aprazível para viver. Os bandos eram constituídos de menos de uma centena de pessoas, em território comum.
“Os bandos são as sociedades mais simples que se conhecem, frouxamente integrados por limitadas concepções de parentesco, ampliado por alianças matrimoniais. Service formula a hipótese de que, antes do contato com a civilização ocidental, todos os bandos eram virilocais e a tendência de cada bando era para se consistir de homens aparentados, suas mulheres estrangeiras (isto é, provenientes de outros bandos) e seus filhos solteiros. Caracteristicamente, os bandos são caçadores e coletores, mudando periodicamente de residência, à medida que os recursos de alimentos vegetais são exauridos ou em relação às mudanças sazonais na localização da caça. Os bandos não têm líderes formais e as diferenças de posição econômica ou política entre os indivíduos são quase inexistentes. Portanto, os bandos são primordialmente integrados por obrigações e vínculos de parentesco. Os recursos de subsistência são, normalmente, propriedade comum e quase não existe especialização ocupacional e comunitária, embora esteja usualmente presente algum comércio entre os bandos, como resultado da distribuição desigual de recursos. (…) A única diferenciação social, dentro do bando, é a determinação pela idade e pelo sexo”. (Sanders, 1971)
Os coletores de alimentos, ou seja, caçadores, pescadores e recoletores de tubérculos e frutos silvestres, tinham de viver em pequenos grupos ou bandos, pois precisavam estar prontos para deslocar-se quando e para onde se deslocasse o suprimento de comida. A zona ocupada por um correspondia, geralmente, a uma área circular cujo raio compreende a distância que uma pessoa pode percorrer durante o dia e retornar ao acampamento à noite. Inexistia aldeia permanente e, durante alguns milênios, nenhum utensílio de cerâmica.
Estudos da Antropologia e Etnohistória caracterizam os bandos como pequenas sociedades, geralmente constituídas por uma população inferior a cem pessoas, possuindo um território comum que se caracteriza pela exogamia local. Esses bandos constituem a sociedade mais simples que se conhece, integrada por uma ancestralidade comum e ampliada com alianças matrimoniais, pela troca de mulheres com outros bandos. Mudam periodicamente de residência, à medida que os recursos de alimentação vegetal são exauridos ou mudanças sazonais da caça forcem o deslocamento do grupo.
A presença do rio São Francisco, com alimentação perene, talvez tenha ampliado o tempo de fixação dos bandos no platô ou terraços do rio. Reforça-se a tese da importância do platô para a ocupação dos bandos e dos terraços sendo utilizados como acampamentos sazonais. O aparecimento da cerâmica, pela fragilidade das peças ao serem transportadas, constitui-se um indicador da vida sedentária, correlação cultural de mudanças na complexidade social dos grupos pré-históricos. Os bandos estão intimamente associados com a caça e a coleta (PCC), as tribos com a agricultura.
Os grupos de caçadores e coletores que residiam na região de Xingó, num meio ambiente relativamente pobre (árido), foram impelidos, primeiro, a contar substancialmente com as plantas selvagens como alimento; finalmente, a experimentar métodos para incrementarem artificialmente a produção. No passo seguinte, no sentido de uma economia plenamente agrícola, envolviam primordialmente um processo botânico, isto é, seleção de sementes para obter plantas mais produtivas. Além dos aldeamentos, há os acampamentos sazonais, notadamente para a caça e pesca.
O MATERIAL CERÂMICO NA CULTURA CANINDÉ
Meggers (1979) enfatiza que a difusão da cerâmica só ocorreu quando a domesticação de plantas progrediu suficientemente para permitir um modo de vida sedentário. Pouco adequada a um modo de vida nômade, a manufatura da cerâmica é associada à subsistência agrícola. Esta hipótese, a partir da evidência de artefatos cerâmicos em PCC tem sido questionada. Fragmentos (cacos) de peças de cerâmica, quando sistematizados, permitem classificações tipológicas, contribuindo para a caracterização das culturas pré-históricas.
Estudos já efetuados a partir de fragmentos e artefatos de cerâmica em Xingó evidenciam não só características técnicas e morfológicas distintas, bem como, em se considerando a cronologia a partir de datações efetuadas, que se trata de uma produção fora da influência da tecnologia cerâmica das tradições Aratu ou Tupi-guarani. As coleções cerâmicas dos sítios evidenciam artefatos resultantes de uma técnica não relacionada com outras já estudadas na região. As cronologias obtidas nos remetem a ocupações entre 4.340 a 1280 ± 45 anos Anes do Presente (AP).
No tocante à cerâmica, impressiona o desenvolvimento já atingido na confecção de peças datadas do segundo milênio A.P. Não há registros de estágios cerâmicos menos desenvolvidos. Deduz-se até que escavações possam nos conduzir a outra conclusão, pela introdução da cerâmica por processos de contato e difusão. O fabrico paralelo de artefatos líticos e cerâmicos foi mantido na região da cultura Canindé por pelo menos de 2 a 3 mil anos. Evidencia-se, provavelmente, o contato interétnico entre as culturas Canindé e Tupi-guarani.
Geralmente as panelas de cozinha são usadas para o preparo de carnes, aves, mingaus, pirões, etc. As tigelas são utilizadas para servir os alimentos e também para torrar a farinha e confeccionar os beijus. Jarros ou panelas maiores (potes) eram utilizados provavelmente para o armazenamento de água ou aguardente, como o de milho. Os vasos utilizados em ritos como o enterramento, compondo o mobiliário funerário ou outros cerimoniais, apresentam, geralmente, menor espessura e dimensão. Alguns sítios arqueológicos apresentam fragmentos de cerâmica associados a artefatos neobrasileiros, como louça, metal e vidro.
Tratando-se de fragmentos obtidos em superfície ou níveis recentes, em datação relativa, deduz-se que tais fragmentos resultam da constante migração de grupos étnicos distintos pelo rio São Francisco e que ocuparam, ocasionalmente, os terraços. A cerâmica pintada registra, provavelmente, a presença Tupi-guarani. Pela incidência, possíveis deslocamentos migratórios vindos do litoral, onde já foi detectado um Sítio tupi-guarani (Machado, em Pacatuba).
ARTEFATOS LÍTICOS DA CULTURA CANINDÉ
Os artefatos de pedra, pela sua durabilidade, constituem a maior incidência de registro sobre a pré-história humana, recuando sua presença a centenas de
milhares de anos. Para a confecção de seus instrumentos, o homem usa os seguintes processos: lascamento, picoteamento, polimento e técnicas derivadas. A matéria-prima, técnicas de preparo, acabamento e tipos de artefatos são indicadores de específico modo de vida que transcorreu em um determinado ambiente. O desenvolvimento de tecnologias para o processamento da pedra na confecção dos utensílios tem sido utilizado para caracterizar eras na seqüência evolutiva da humanidade.
A cultura Canindé, a partir de estudos em alguns sítios arqueológicos em Xingó, notadamente o Justino (em Canindé do São Francisco) , apresenta o uso das técnicas do lascamento e polimento de artefatos líticos que coexistiram em alguns extratos de ocupação, como prova de que técnicas antigas não são abandonadas com o surgimento da tecnologia do polimento, como em geral se supõe. O homem pré-histórico da cultura Canindé, pelos vestígios líticos resgatados, não pode ser caracterizado como produtor hábil de objetos de pedra. Ressalte-se que a inteligência inventiva da técnica pré-histórica considerará, expressivamente, a bagagem material que tem à sua disposição, atingindo níveis que não correspondem a etapas culturais já alcançadas pelo restante do contexto social. Portanto, em uma mesma sociedade podemos encontrar, simultaneamente, domínios plenos de expressões junto com outros menos evoluídos.
Ainda presentemente, pescadores da região utilizam lascas de quartzo e outras matérias-primas para cortar e descamar os peixes. As lascas foram obtidas, predominantemente, por percussão sobre bigorna. Usando um seixo, denominado percutor, o bloco inicial era preparado (núcleo); os fragmentos liberados do núcleo, as lascas.
OS REGISTROS RUPESTRES
A presença do homem é sempre ligada a ferramentas e também à produção artística. A objetivação do espírito humano cria a cultura, resultante de expressivas e diferenciadas formas de linguagem, permitindo compreensão mais aproximada de vários aspectos da organização das sociedades humanas em seus distintos momentos.
No inicio de sua trajetória, homem pré-histórico, dentre outras formas de linguagem, utilizou-se com eficaz competência do relevo, da cor, do plano e do movimento na elaboração de registros rupestres. A rocha natural foi usada com grande habilidade. Sob o ponto da antropologia visual trata-se de um meio de comunicação, uma pré-escrita. Embora seja um dos objetivos da antropologia o alargamento do discurso humano, há ainda, no tocante aos grafismos pré-históricos, um incômodo silêncio. Devemos considerá-la, portanto, como uma fonte de informação antropológica. Sua interpretação, após milhares de anos, é efetuada a partir de classificações tipológicas, hipóteses e correlações etno-históricas, na tentativa de resgatar idéias e valores das sociedades extintas. A geometrização das formas, abstrações e reproduções antropomorfas e/ou zoomorfas, o estilo, o cromatismo, a caracterização de conjuntos vivenciais, entre outros, são fatores determinantes considerados na taxonomia dos registros rupestres.
O estudo dos registros rupestres na pré-história impõe, além de uma análise quantitativa (ordem de elementos cronológicos, seqüência da evolução técnica, temática, estilo, etc.), associações, influências interculturais, áreas de difusão e a ousadia interpretativa como hipótese para se chegar ao outro que somos nós. Documentos etnográficos e estudos etnológicos são imprescindíveis como lastro para o entendimento dos registros rupestres. No Brasil, a partir de informações indígenas, onde tradições locais foram conservadas em sua correlação com registros gráficos, é bem mais provável que o processo apresente Fernando Lins de Carvalho 26 resultados cientificamente confiáveis. Infelizmente não é o caso da região arqueológica de Xingó, onde inexistem grupos étnicos proto-ibéricos.
Outro desafio que a arqueologia enfrenta quanto ao estudo de gravuras pré-históricas é o da datação. Nas culturas paleolíticas há uma “arte móvel”, constituída por esculturas, adornos pessoais, ferramentas, etc., e uma “arte fixa”, a rupestre. A primeira forma de expressão é de mais fácil datação, pois os objetos são encontrados nos estratos. Os registros rupestres são de datação menos segura, pois as pinturas e incisões nas paredes das grutas ou painéis nos afloramentos rochosos raramente estão cobertos por estratos pré-históricos e, nesse caso, é difícil atribuí-los a um em detrimento de outro.
Os registros rupestres da cultura Canindé situam-se em abrigos sob rocha, formados por paredões que apresentam uma parte alta saliente projetada para fora, caracterizando uma espécie de telhado natural, capaz de oferecer abrigo contra chuvas, ventos e outras inclemências do tempo, e em matações aflorados. Os registros rupestres podem, entre as tradições, apresentar similaridades, pois, provavelmente, os grupos étnicos que os elaboraram mantiveram contato entre si.
Das tradições faremos referências apenas a três, em face de sua correlação no tempo e no espaço com a pré-história sergipana no vale do São Francisco.
A TRADIÇÃO NORDESTE
A partir de estudos no Piauí, coordenados pela Arqueóloga Niéde Guidon, foi definida essa tradição. Estudos posteriores demonstram sua extensão para ou tros estados nordestinos como o Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Chapada Diamantina, na Bahia, e o Vale do São Francisco. Nos grafismos da tradição Nordeste destaca-se o registro do cotidiano cultural da comunidade, desde o transporte da água ou alimentos à caça. Outro aspecto é a presença do movimento, da ação nas figuras e conjuntos gravados, enfatizando-se o registro da vivência, a energia do existir.
A TRADIÇÃO AGRESTE
Tem como seu foco de referência o agreste de Pernambuco e o sul da Paraíba, com extensão para os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí. Uma das características dessa tradição é sua enorme dispersão pelo nordeste brasileiro. Aceita-se, hoje, uma possível relação entre as tradições Agrestes e São Francisco e que ambas poderiam pertencer, também, a um tronco comum que deverá ser definido no futuro.
A TRADIÇÃO SÃO FRANCISCO
A partir de estudos coordenados pelo arqueólogo André Prous, nos Estados de Minas Gerais, Bahia e Sergipe, no vale do São Francisco e registros identificados nos Estados de Goiás e Mato Grosso. No município de Canindé do São Francisco (SE) e nos municípios de Olho d’Água do Casado e Delmiro Gouveia (AL) foram localizados sítios arqueológicos de registros rupestres.
O explorador e orientalista britânico Sir Richard Burton (1867) descreve sobre inscrições rupestres no baixo São Francisco, registrando o Sítio Olho D’Água do Casado.
No Sítio Letreiro, alguns temas também são registrados na tradição São Francisco (sáurios, propulsor e grades). No entanto o Letreiro é diferente dos outros sítios da região. Alguns temas presentes no Letreiro poderiam ser também comparados com os da tradição Agreste (grandes antropomorfos grosseiros e sáurios). Inscrições rupestres em abrigos sobre rocha, nas colinas do canyon, talvez registrem, como sugere AB’SÁBER (1997), a presença de caçadores-coletores do período précerâmico na região. Os abrigos encontram-se separados por poucos quilômetros de distância, possivelmente ocupados durante os deslocamentos para a caça, na região.
Na medida em que os registros rupestres são um testemunho do homem xingoano em suas origens, desde sua relação com o ecossistema até suas emoções mais elevadas e, na medida em que a imagem é um signo tão eloqüente quanto a escrita, pode-se afirmar que tais registros compreendem o primeiro livro da história da região.
DIETA ALIMENTAR
O rio São Francisco serviu ao homem de Xingó como fonte de alimentos e de recursos. Certamente entre suas atividades estavam a caça, a pesca e a catação de mariscos. Em sua alimentação predominava o uso do peixe, provavelmente cozido, e o uso de pequenos mamíferos.
Visualizam-se peixes de pequeno, médio e grande porte, motivo que lastreia a hipótese de que os remanescentes de Xingó eram pescadores. Os peixes eram capturados nos rios, riachos e pequenas lagoas que, na época de maior precipitação pluviométrica e em tempo de cheias, inundam o vale do São Francisco.
Os mamíferos juntamente com os peixes, apresentam a maior incidência na dieta alimentar do homem em Xingó. Predominam mamíferos de pequeno porte, sendo escassa a presença de mamíferos de médio porte, cuja presença permite a inclusão dos grupos humanos coletores-caçadores da região. Característica comum na dieta alimentar dos grupos caçadores-coletores é a de uma dieta protéica pobre em carboidratos. Os vestígios alimentares foram resgatados, em sua maioria, queimados. Raros vestígios vegetais. Vértebras de peixes de grande porte sugerem a técnica da pesca em períodos das cheias do rio, quando os peixes apresentam deslocamentos verticais para a superfície das águas, sendo presa fácil para os ribeirinhos.
O RITUAL DE ENTERRAMENTO NA CULTURA CANINDÉ
No Sítio Justino foram encontradas vasilhas de cerâmica com restos de alimento, esqueletos de animais sobre o corpo humano enterrado, enterramentos secundários com ossos trabalhados. São elementos simbólicos expressivos. Sem dúvida, os homens da cultura Canindé acreditavam que o morto viveria mais uma vida no além-túmulo. Os vestígios arqueológicos confirmam a complexidade do rito que envolve dois sepultamentos: um provisório e o definitivo.
Os enterramentos primários e secundários foram efetuados diretamente no solo, inexistindo, portanto, urnas funerárias, Fernando Lins de Carvalho 48 (salvo o enterramento de uma criança). No enterramento primário, o indivíduo é sepultado uma única vez, lá permanecendo mesmo após a decomposição das partes brandas do corpo; no secundário, como o nome mesmo diz, há um segundo sepultamento, após a perda das partes moles do indivíduo.
Nos sepultamentos secundários da cultura Canindé, há enterramentos com ossos trabalhados, cuidadosamente cortados e polidos nas extremidades. Registra-se também a presença de ossos pintados.
A estimativa de estatura do homem xingo ano é de 1,64m. Em comparação com as poucas estimativas de alguns outros sítios brasileiros como, por exemplo, o Sítio Furna do Estrago – PE, onde os indivíduos apresentaram uma estatura média de 1,60m (Mendonça de Souza, 1995), os Sambaquis Forte Marechal Luz (1,67m) e Cabeçuda – SC (com estatura média em torno de 1,61m) e Piaçagueira – SP (estatura média de 1,58m) (Prous, 1992). Os homens do Sítio Justino eram em média mais altos do que aqueles do Sítio Cabeçuda e do Sítio Furna do Estrago, porém mais baixos do que os homens do Sítio Marechal Luz.
A presença, nos terraços do São Francisco, de solos predominantemente silicosos, favoreceu, apesar das cheias periódicas do rio, a preservação dos esqueletos.
A CULTURA ARATU
A tradição Aratu, a partir de prospecções efetuadas nos Estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco, foi estabelecida pelo arqueólogo Valentin Calderón, integrante do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas – PRONAPA, nos anos sessenta. Prende-se tal denominação ao Sítio Arqueológico Guipe, no centro industrial de Aratu, onde Calderón efetuou salvamento arqueológico. Datações em radiocarbono apontam para essa tradição um período de nove séculos, do IX ao XVIII (no recôncavo baiano há uma datação isolada de 400 A.D., ainda a requerer novas confirmações).
Em Sergipe, a partir de vestígios coletados e de algumas sondagens e escavações, constata-se a presença da tradição Aratu em colinas próximas ao litoral, geralmente na encosta, tais como sítios identificados em Pacatuba, ao norte, e de Cristinápolis, ao sul. A tradição Aratu, em Sergipe, apresenta características similares à de outros sítios prospectados no Brasil.
Trata-se de Fernando Lins de Carvalho 4 uma cultura de agricultores ceramistas, situados em grandes aldeamentos circulares localizados em elevações suaves (500 x 200 m, em alguns casos). Os sedimentos arqueológicos em índice de profundidade (60 cm) nos permitem deduzir a formação de aldeias com densidade populacional elevada e ocupações demoradas (Martin; 1997), quando comparamos com as aldeias Tupiguarani, com apenas 30 cm de sedimentos férteis em sua estratigrafia média. As cabanas eram alinhadas ou dispostas em círculo ao redor de uma praça central, lembrando os aldeamentos Macrogê do Brasil Central como os Kayapós e Xavantes (Prous, 1992). Ocupavam, à época, área florestal (floresta mesófila decídua). Escolhiam como espaço topográfico para erguer suas habitações o platô de colinas, próximo a algum córrego. As sondagens e escavações efetuadas demonstram que, em Sergipe, os sítios ficam distantes de importantes rios, embora próximos de riachos afluentes.
A cultura Aratu, ao contrário da Tupi-guarani, não era de povos canoeiros, mas de caçadores-coletores em área florestal, desenvolvendo uma incipiente agricultura. Sua base alimentar, portanto, era típica de coletores silvícolas. Além do uso da mandioca, a alimentação básica, também utilizava o milho, o feijão e o amendoim. Dos vestígios e artefatos cerâmicos coletados, a ausência de pratos ou assadores levanta dúvidas sobre o aproveitamento da mandioca para se obter a farinha, segundo Prous.
Às ocupações decorria o desmatamento (coivara), com a limpeza do terreno. Depois de quatro ou cinco anos de uso, o solo não teria mais a fertilidade primitiva, devendo repousar (sem cultivo) durante vários anos. Quando uma aldeia crescia ultrapassando o tamanho que podia ser alimentado pela terra disponível, parte de sua popu A Pré-história Sergipana 5 lação mudava para outro local, reiniciando o processo de limpeza do terreno. Assim, depois de certo tempo haveria diversas aldeias de povos relacionados dispersas por uma grande área.
Provavelmente a cultura Aratu compreenda os genericamente conhecidos como Tapuias, expulsos de áreas mais costeiras quando da incursão Tupi, a partir do século IX, no Nordeste, citados como “andejos e tendo muitas e diferentes línguas dificultosas”, segundo Fernão Cardim (1978: 127). O estabelecimento de uma agricultura incipiente já nos permite argumentar a transformação dos bandos, intimamente associados com a caça e a coleta, para a formação das tribos.
O principal fator que levou à evolução para as tribos foi, sem dúvida, o desenvolvimento da agricultura. A transição resultou de decorrência existencial em ambiente relativamente pobre, onde os grupos humanos foram impelidos a contar, substancialmente, com as plantas selvagens como alimento e, a seguir, a experimentar métodos para o incremento artificial da produção. Sociedades maiores que os bandos, as tribos em culturas que ainda processam uma agricultura incipiente se encontram dispersas em aldeias integradas na sociedade maior por descendência ou clãs. Estudos decorrentes do acervo arqueológico coletado em Sergipe, bem como, por analogia, análises efetuadas em outros sítios nordestinos da mesma tradição evidenciam algum conhecimento de suas práticas culturais.
RITUAIS DE ENTERRAMENTO
Os enterramentos eram predominantemente secundários, em urnas dispostas em grupos de duas ou mais, nas aldeias. As decapagens em sítios sergipanos comprovam a coexistência de vestígios do cotidiano das aldeias junto às urnas.
“Os índios não levavam os seus falecidos a um cemitério fora da aldeia, como nós costumamos fazer; mas sepultava-os no chão da própria casa como, ainda hoje, continuam fazendo os índios nhambiquaras do Mato Grosso” (Rohr S. J., 1984).
“A pré-história é uma espécie de colosso-com-cabeça-de-barro que se vai tornando mais frágil à medida que se eleva da terra ao cérebro. Os pés, feitos de testemunhos geológicos, botânicos ou zoológicos, estão bastante firmes; as mão são já mais friáveis, uma vez que o estudo das técnicas pré-históricas está assinalado por uma larga auréola conjectural. A cabeça, essa, desfaz-se ao menor embate e frequentemente contentaram-se em substituir o pensamento do gigante decapitado pelo do pré-historiador. De maneira que, através das suas diferentes obras, o homem pré-histórico muda de personalidade religiosa e tanto é um mágico sanguinário como um pio colecionador de crânios de antepassados, bailarino lascivo ou filósofo desiludido, segundo os autores”. LEROI GOURHAN, 1974
As urnas eram tampadas com panelão e enterradas a apenas 30 cm do solo, o que tem provocado, como uso de lâminas do arado mecânico, sua descoberta e, lamentavelmente, fracionamento. Suas dimensões médias são as de 75 cm de altura por 65cm de bojo e abertura aproximada de 45cm. Tigelas menores eram empregadas para cobrir a boca dos vasilhames funerários. O mobiliário funerário era composto de artefatos de uso pessoal (as urnas infantis não possuem) como machados polidos (10 cm), rodelas de fusos e adornos. No interior ou ao redor da urna, algumas tigelas com resíduos alimentares compunham o ritual. A presença de rodelas de fuso (pedra e cerâmica) indicam a fiação de redes ou tecidos grossos.
A TRADIÇÃO TUPI-GUARANI
Sobre a problemática da origem e dispersão Tupi-guarani, Brochado (1984) propõe duas direções de migrações do paleoíndio, a partir de um nicho original amazônico: os guarani teriam utilizado os rios Madeira e Guaporé em direção ao sul, espalhando-se ao atingir o rio Paraguai; a outra corrente migratória, dos Tupinambá acompanhava o rio Amazonas até a sua foz e, alcançarem a costa, seguiram em direção ao sul. A última expansão cultural pré-cabraliana no litoral brasileiro foi, efetivamente, a Tupi-guarani.
A coesão e similitudes culturais entre os diversos aldeamentos na costa brasileira lastreiam a hipótese de uma ocupação recente, quando da presença
européia, no século XVI. Ainda são poucas as datações em radiocarbono e termoluminescência a partir de vestígios tupis que permitam um quadro delineado das migrações. No Rio de Janeiro, há datação no século X (980 ± 100 DC) e, no Nordeste, no século
IX (800 ± 65 DC).
A presença Tupi-guarani no Nordeste brasileiro dá-se no período médio dos anos 900-1300 DC, com as primeiras ondas migratórias que introduziram a subtradição pintada na cerâmica. A segunda onda migratória deu-se no período entre 1300 a 1500, responsável pela introdução da subtradição corrugada na cerâmica pré-histórica nordestina Tupi-guarani. A hipótese mais aceita para a migração corresponde a deslocamentos do Sul para o Norte, a partir da bacia do Paraná – Paraguai, onde os Tupis e os Guaranis se separaram.
Hábeis canoeiros, os Tupis utilizaram o curso das bacias hidrográficas próximas ao litoral, para sua expansão. Quando da presença portuguesa, no século XVI, já ocupavam extensa faixa do litoral, desde o Iguape até a costa do Ceará. Apenas em alguns pontos do litoral havia outros grupos como os Goitacás (foz do rio Paraíba), os Aimorés (norte do Espírito Santo e sul da Bahia) e os Tremembés (entre o Ceará e o Maranhão). Tapuia era um termo genérico empregado para os não-Tupis. A ocupação total do litoral nordestino seria consolidada até o início do século XIII.
Com a incursão dos Tupis, as culturas então situadas no litoral, na Mata Atlântica, como as da tradição Aratu, fugiram para o interior ou foram dizimadas pelos invasores. Aqueles grupos, denominados genericamente como Tapuias passam a ocupar o agreste e o sertão nordestino, como os Kariris, os Prokás e Pankakarus. A diversidade lingüística daqueles grupos comprovam uma presença mais antiga e a coexistência em pontos mais distantes e que, tangidos pelo avanço Tupi, passam a ocupar áreas no interior.
Uma segunda hipótese para as migrações dos Tupis, a partir da interpretação de dados arqueológicos, é a de que a elas tenham vindo da Amazônia, onde os Proto-guaranis e Tupis se teriam dividido: os primeiros, pela bacia fluvial no Guaporé, provavelmente tenham se deslocado em áreas interiores do Continente e os segundos, descido do litoral entre os séculos VII e IX desta era.
Em qualquer hipótese, a separação Tupi-guarani teria ocorrido há apenas um milênio e meio e a presença Tupi no litoral nordestino, há apenas pouco mais de um milênio. A arqueologia constata que os Tupis não se estabeleciam em regiões secas e em terras frias. Procuravam edificar suas aldeias em terrenos baixos (até 400 metros acima do nível do mar) e próximos de rios navegáveis. Sempre são encontrados a curta distancia de rios navegáveis e em zonas de mata. Esses indícios devem ser seguidos para a localização dos sítios arqueológicos Tupis (procuravam as matas). No Nordeste, portanto, territórios secos e serrados e caatingas eram repudiados pelos hábeis canoeiros e guerreiros.
A interpretação das condições naturais do Estado de Sergipe, incorporando-se, para tal, a isometria, pluviosidade, temperatura, hidrografia e vegetação, permite-nos, como hipótese a ser confirmada pelas escavações posteriores, situá-los geograficamente. E Nessa área serão priorizadas as terras menos elevadas, próximas a importantes rios utilizados sistematicamente na intercomunicação das aldeias. As bacias do São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vasa-Barris, Piauí e Real, nos pontos considerados, foram priorizadas, em tese.
Em nosso litoral e zona da mata situavam-se os Tupinambás, uma das nações Tupi estabelecida no nordeste do recôncavo baiano, à foz do rio São Francisco. Os Tupinambás que ocupavam o litoral do Estado de Sergipe no século XVI constituíam-se em aproximadamente trinta aldeias. Correspondência do provincial Ignácio Toloza (1575), ao relatar a missão de Gaspar Lourenço, registra aspectos etnográficos dos Tupinambás.
A MORADA TUPINAMBÁ
As aldeias ocupavam preferencialmente a parte superior da encosta de morros que dominavam um rio navegável (distância máxima de um quilômetro). Permaneciam de cinco a seis anos em um mesmo local. A área de ocupação ficava entre 250 a 400 m2 para as pequenas e até 10.000 m2 para as maiores. A distribuição espacial das habitações era geralmente de forma circular ou ovulada, ao redor de uma praça central. Na praça, havia um espaço livre destinado às festas, aos rituais e reuniões. A média populacional dos aldeamentos Tupis situava-se entre 500 a 3.000 índios. É expressiva, quando comparada com os aldeamentos contemporâneos.
As aldeias situavam-se em uma clareira, próximas de um regato, formando um círculo. Na metade da praça, uma grande construção orientada em seu eixo longitudinal. Ao redor, oito malocas em posições e distâncias irregulares, distribuídas de forma tal que uma não devassasse a outra. Em volta da aldeia e entre as casas, troncos serviam de assento. O livro de Hans Staden (Ed. de Bry) mostra uma aldeia Tupinambá com cinco casas, formando uma praça interior pentagonal. Os valorosos guerreiros construíam abrigos para passar a noite, quando em excursão guerreira ou viagem. Fincavam quatro postes que sustentavam um teto de ramos e folhas de palmeira (Métraux, 1928:50).
OS SEPULTAMENTOS
Realizados fora das habitações, mas nas imediações, ainda no plano de ocupação da aldeia. Os enterramentos eram efetuados em urnas funerárias, com quantitativos que demonstram uma maior fixação na região. Por possuírem forma similar à dos grandes potes para a fermentação de bebidas, são chamados de igaçabas (vasos para água, em Tupi). As urnas são carenadas e com bojo mais largo que a altura. O mobiliário no sepultamento consta de objetos de uso pessoal como machados polidos e tembetás.
A descrição de praticas funerárias tupinambá de enterramento em urnas é apresentadas pelo cronista Fernão Cardim: “depois de morto o lavam e pintam muito galante, como pintam os contrários, e depois o cobrem de fio de algodão que não lhe parece nada, e lhe metem uma cuia no rosto, e assentado o metem em um pote que para isso têm debaixo da terra, e o cobrem de terra, fazendo lhe uma casa, aonde todos os dias lhe levam de comer (…)”. (Cardim, 1980:94)
A CERÂMICA
A tradição Tupi-guarani tem sido estudada a partir de sítios arqueológicos localizados ao longo da costa e mata atlântica do Nordeste. Mais recentemente já tem sido evidenciada em regiões da caatinga. Talvez resultante de grupos expulsos da região da zona da mata. No Nordeste brasileiro poucos sítios arqueológicos da tradição Tupi-guarani foram escavados e as notas prévias resultantes desses trabalhos ainda não permitem maiores conhecimentos sobre essa tradição.
A CULTURA TUPI-GUARANI EM SERGIPE
Das escavações e sondagens efetuadas em sítios arqueológicos sergipanos, apenas em um, Sítio Arqueológico Machado, em Pacatuba, foram identificados vestígios da tradição. O Sítio Arqueológico Machado (SAM) assenta-se em um vasto platô, na confluência dos rios Poxim do Norte ou Betume com o riacho Santo Antônio, da bacia hidrográfica do rio São Francisco, no município de Pacatuba.
Ainda há resíduos de floresta costeira, predominando as espécies sucupira, maçaranduba e pindaíba. Ressalte-se que no Sítio Arqueológico Machado foram recolhidos fragmentos cerâmicos típicos da tradição Aratu e uma urna funerária foi resgatada, com as características da Aratu, desde aspectos morfológicos à composição do tempero.
Em 1575 registros históricos noticiavam a presença de um aldeamento na região. E no século XVII, sob a chefia do cacique Pacatuba, estendia-se o domínio Tupi-guarani, do Poxim ao rio São Francisco. O levantamento arqueológico permite a hipótese, portanto, de que os vestígios da fase Pacatuba, tradição Tupi-guarani, representem resíduos materiais daquele aldeamento.
Outras peças cerâmicas muito encontradas são os cachimbos tubulares, forma considerada a mais antiga; posteriormente aparecem os cachimbos angulares. Hans Staden, quando no cativeiro entre os Tupinambás, registrou que cabia às mulheres o fabrico das vasilhas. Selecionavam o barro e o preparavam para a confecção. A queima era feita sobre pedras e os vasos cobertos com lenha (1945). Com uma dieta baseada na mandioca, as formas identificadas nos sítios estão ligadas ao preparo e ao consumo deste alimento, bem como para o transporte e armazenamento de água e bebidas fermentadas.
O LÍTICO
Morando preferencialmente na floresta, os Tupi-guarani utilizaram mais a madeira que a pedra, resultando em uma incidência lítica pequena. Registrou-se apenas a presença de lascas em maior número. Destacam-se os Tembetás (adornos labiais), os percutores, polidores, afiadores e machados polidos.
BASE ALIMENTAR
Ocupando áreas florestais e na proximidade de rios, os Tupis situavam sua cultura alimentar na pesca e caça, com maior ênfase para a primeira. A presença de alguns tipos de machado leva à aceitação da prática da coivara e à fabricação de canoas. A mandioca, pelos indícios da própria cerâmica, é um importante componente na dieta. Os Tupis, como todas as tribos da floresta tropical, eram horticultores que faziam o rodízio das roças, prática conhecida como agricultura itinerante. Essa rotatividade, não apenas das roças como também dos campos de caça e até mesmo em aldeias, exigia uma constante reposição dos elementos de cultura material.
A disponibilidade de matéria-prima era um componente importante. Este, mais um fator para a volumetria na produção cerâmica. Para coleta de moluscos, grupos deixavam a aldeia, fixando-se temporariamente nas proximidades dos bancos de moluscos, onde se instalavam em cabanas.
“As roças novas produziam em media por até quatro ou cinco anos, mas eventualmente podiam produzir por mais tempo de acordo com o solo ou com as espécies cultivadas. Isso significa que, muitas vezes, as populações podiam ter varias roças “anuais” produzindo o suficiente para a alimentação, assim como excedentes para a realização de festas e para trocas entre as aldeias. As roças, em geral, pertenciam às famílias nucleares (pai, mãe, filhos), que compunham as comunidades, cultivando unidades entre 2 a 5 hectares de área. Cada família teria em media uma unidade de roça nova aberta por ano, mas, dependendo de interesses pessoais ou relações sociais, algumas famílias poderiam ter varias roças novas/ano.
As famílias poligâmicas (homem com varias mulheres e filhos) teriam unidades de roça relativamente maiores, com 8, 10 ou mais hectares. Assim, cada família nuclear poderia, com facilidade, alcançar até 20 ou mais hectares/ano para produzir alimentos para si e
para as festas e trocas (as famílias poligâmicas teriam esse aumento de modo proporcional). Além das áreas especificas de roça, outros espaços também foram cultivados, visando a maximizar tanto a variedade como a quantidade de produção de plantas úteis ao longo do ano. Eram aproveitados os pátios das habitações, as trilhas, clareiras abertas pela queda de grandes arvores e outros nichos. Esses sistemas agro-florestais que ainda hoje são mantidos devem ter sido configurados no passado distante, com a criação da agricultura (Funari, 2001)
“Com a exploração prolongada de uma determinada área, também escasseavam outros recursos naturais importantes (animais, peixes, aves que forneciam penas para os enfeites, materiais para construção de malocas, etc) o que levava o grupo a deslocar-se para outra parte do território sob seu domínio. O controle sobre um dado território mais ou menos extenso permitia o funcionamento dessa sociedade, na qual a terra se constituía no bem maior. Não havia, contudo, propriedade privada da terra. Ela pertencia à comunidade e todas as pessoas do grupo podiam utiliza-la para caça, pesca, coleta e agricultura. Essas eram as atividades econômicas básicas entre os tupinambá.” – Beatriz Dantas (1991)
ÍNDIOS EM SERGIPE
ACUNÃS – Perto de Neópolis
ARAMURUS (ARU-MARUS, ARREMURUZ, URUMARUS) – Baixo São Francisco, Porto da Folha, Serra de Itabaiana (?)
BOIMÉS (BOYMÉS, BOISMÉS) – Japaratuba, Baixo São Francisco, Água Azeda – perto de Aracaju, rio Real
CAACICAS – Japaratuba
CAETÉS – Do São Francisco ao Real
CARAPOTÓS (CARAPOTIOZ, KARAPATÓ) – Pacatuba, Porto da Folha
CAXAGÓS (CAYAGÓS,CAPAJÓS) – Pacatuba, no Baixo São Francisco
HUAMAYS (UAMÓIS) – Propriá
KIRIRIS (CARIRI, QUIRIRI,CORIRÉ) – Aldeia do Geru (Juru), aldeia do Rio Real da Praia, Lagarto, São Francisco, Propriá
MORITSES – Geru
NATUS – Pacatuba e Baixo São Francisco
OROMARAIS – Pacatuba, São Pedro do Porto da Folha
ROMARIS (OMARIS, ROUMARIS, REUMIRIS, ROMANEZ) – Ilha de São Pedro, Ilha do Ouro, Propriá, Baixo São Francisco
TAPUIAS – Geru
TUPINAMBÁS (TUPINAMBAZES) – Na costa de Sergipe, do rio São Francisco ao Real. Nos rios Sergipe, Irapiranga e Real, aldeia de Água Azeda.
TUPINAUÊS (TUPINAS, TUPINAENS) – Entre o São Francisco e o rio Real. Vale do São Francisco até Porto da Folha
URUMAS – Porto da Folha, Serra de Itabaiana (?)
XOCÓS, XOKÓS, SHOCÓS, CHOCÓS, CIOCÓS, CEOCOSES- São Pedro (Porto da Folha), Pacatuba, Propriá, Neópolis, margens do São Francisco
Imagem Topo – IPHAN – Alagoas