CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE | CAATINGAS
REDAÇÃO | terça-feira – 03 de novembro de 2020
Erradicado das encostas da zona ripária da região há dezenas de anos, o pau d’arco roxo, reintroduzido na Reserva Mato da Onça, tem sua primeira e precoce floração confirmando os procedimentos de plantios e manejos florestais adotados nas atividades realizadas na Unidade de Conservação
“Aquele serrote acolá, quando vinha chegando o verão, ficava todo roxinho do pau d’arco, era uma beleza” dizia Avelardo, antigo canoeiro do Mato da Onça, sobre as serras a montante do povoado, hoje inseridas na poligonal da RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural Mato da Onça.
Essa conversa, ocorrida há mais de vinte anos atrás, ainda no início das atividades da Canoa de Tolda, se deu com o olhar voltado para a encosta pelada, brocada, detonada, onde, arrodeadas pela terra vermelha nua, apenas as socas de catingueiras teimosas insistiam em suas brotações, irradiando a quentura da estiagem do final dos anos 90 e início dos 2000.
Atualmente há uma possibilidade não tão remota de a paisagem descrita por Avelardo estar um pouco mais próxima de seu retorno, com as serras salpicadas, roxinhas, pela insuperável florada do pau d’arco: há cerca de uma semana foi registrada a primeira florada de um dos indivíduos plantados ainda em 2019. De forma precoce – muito provavelmente ainda não teremos postura de sementes – o jovem pau d’arco roxo respondeu ao manejo e tratos que foram dispensados às mudas produzidas e plantadas na RMO – Mato da Onça. A feliz surpresa – que é alimentada pela expectativa diária, no acompanhamento das mudas plantadas na RMO – nos dá uma nova dose de ânimo para o ainda longo caminho até 2035, quando um dos objetivos do programa Caatingas – Meta 2035 é percorrer a UC pelos trechos do Caminho dos Canoeiros (segmento da Trilha de Longo Curso Velho Chico) à sombra da caatinga mais saudável.
Como em todo o sertão do Baixo São Francisco, a antiga fazenda Mato da Onça foi cenário do exemplar processo de destruição da caatinga, que seria “beneficiada” debaixo do pé do boi, da pancada do machado ou do fogo para as carvoarias e a “limpeza” do terreno. A ideia de criação de uma UC – Unidade de Conservação já era definitiva, porém, sem qualquer recurso disponível para aquisição de terras. A compra da fazenda Mato da Onça só foi possível em 2014 quando, imediatamente, foi aberto o processo de criação da RMO – Reserva Mato da Onça e lançado o programa Caatingas – Meta 2035 de restauro de diversas zonas da UC.
Desde então, de acordo com recursos financeiros e humanos possíveis, têm sido realizados plantios intensivos e em menor escala (mais pontuais) nas zonas prioritárias estabelecidas já em fase anterior à elaboração do Plano de Manejo (a RMO é a primeira RPPN de Alagoas e do Baixo São Francisco a ter seu plano de manejo realizado e aprovado dentro do prazo legal).
Dentre as espécies prioritárias para reintrodução e/ou enriquecimento estava o pau d’arco roxo (Handroanthus impetiginosus, o ipê roxo em outras regiões) que, na região do alto sertão do Baixo São Francisco, tem sido alvo de exploração intensiva pelo valor de sua madeira. No caso do entorno da RMO, podemos considerar o pau d’arco roxo como erradicado em quase sua totalidade, com a ocorrência de grupos de indivíduos esparsos ou de forma isolada, exigindo consideráveis deslocamentos para a obtenção de sementes.
Através da seleção de matrizes saudáveis e vigorosas encontradas ainda nos municípios de Pão de Açúcar e Olho d’Água das Flores, foi possível a formação de um bom lote de mudas no Viveiro da Reserva (iniciado de forma provisória no Sítio Barra do Riacho, anexo da RMO) que passaram a ser plantas na UC há cerca de pouco mais de um ano, inclusive na encosta voltada para o rio São Francisco, uma das zonas prioritárias.
Com a criação da RMO, tivemos, como já noticiado, o retorno de espécies importantes da fauna catingueira como a jaguatirica, a onça parda e o macaco-prego galego. Tais registros indicam que iniciativas como a RPPN Mato da Onça ainda número reduzido, insuficientes, podem, sem qualquer dúvida, ser caracterizadas como essenciais.
Sem qualquer outra iniciativa de conservação de caatingas na região, infelizmente, a existência da Reserva Mato da Onça mostra o quanto é imprescindível e urgente termos um número considerável de mais Unidades de Conservação não só na caatinga mas nos demais biomas do Baixo São Francisco. A situação de acelerada de degradação de nossas matas, implica em situações de risco para a conservação da biodiversidade, da água e do bem estar coletivo das populações humanas temas que ainda são pouco valorizados pela nossa sociedade.
◊ Imagem em destaque – Pau d’arco roxo na Reserva Mato da Onça. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda