BACIA DO SÃO FRANCISCO | BARRAMENTOS

CARLOS E. RIBEIRO JR. VIA INFOSÃOFRANCISCO | sexta-feira – 29 de maio de 2020

Barragem a ser construída no Alto São Francisco será a nona na calha principal, confirmando a negação, por parte nossa sociedade, da necessária existência do rio São Francisco: será levada a cabo, muito provavelmente sem maiores reações, com a sua destruição até a derradeira gota

Seguindo a lógica do Ministro (da destruição) do Meio Ambiente, que é tempo propício para a “boiada” passar, no dia 22 de maio foi publicado o decreto 10.370 que qualifica de forma definitiva a UHE Formoso (ainda em projeto) no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República.

O decreto de Bolsonoaro. Fonte: DOU

Esta obra ocorre cerca de 25 anos após a construção da UHE Xingó (1994) e tem recomendação da Casa Civil da Presidência da República para sua inclusão no PPI – Plano de Parcerias de Investimentos. Com projetados 306 MW (menos do que uma máquina de Xingó, com 500 MW cada), o custo da UHE Formoso foi orçado em R$1,8 bilhões. A barragem será instalada cerca de 12 quilômetros a montante da tradicional Pirapora.

Uma visão do projeto. Quebec Engenharia

O projeto está sendo realizado pela empresa Quebec Engenharia e tem prazo de construção de 36 meses, estando a obra no aguardo dos procedimentos de licenciamento pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Também será definido o concessionário operador.

No sítio eletrônico da Quebec o projeto (com pouquíssimas informações, inclusive a cartográfica, da localização e da poligonal do reservatório) é anunciado como dentro da qualificação de “energia renovável” indo a empresa além, citando, em sua apresentação de obras realizadas: “São mais de 1000 MW em projetos de energia renovável. Recursos inesgotáveis, como a água, o sol e o vento, são utilizados sem causar impacto ao meio ambiente.”

A mentirosa ausência de impactos ambientais (não citam os sociais) é apresentada, como elemento que estaria agregando legitimidade a uma ação de saque do patrimônio natural.

Segundo o site Energia Hoje, a Quebec emitiu o Termo de Referência para os órgãos ambientais (diretrizes para emissão do EIA/Rima) e solicitou a emissão da Autorização para Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico (ABIO), aguarda agora o parecer do Ibama.

“O licenciamento é, sim, a principal dificuldade do empreendimento visto que o processo ainda demanda a emissão da ABIO para início das campanhas de campo de meio biótico. Com isso, diversas outras demandas devem ser realizadas para apresentação do EIA e sequência do processo de licenciamento”, disse Leôncio Vieira, gerente de desenvolvimento da empresa, quando questionado sobre se o licenciamento era o principal obstáculo à realização do projeto. A recomendação da Casa Civil tem entre seus objetivos justamente agilizar a obtenção do licenciamento ambiental.

Outra visão. Quebec Engenharia

Vieira disse que, no que toca ao projeto de engenharia, várias etapas já foram concluídas, incluindo a topografia, locação dos eixos e implantação de marcos, estando em andamento as etapas de medições de vazão e descargas sólidas. Segundo ele, a previsão é de que o estudo de viabilidade técnica e econômica (EVTE) seja entregue à Aneel no primeiro semestre de 2020.

Ainda segundo o Energia Hoje, a usina foi projetada também para contribuir com a regularização do rio, e está prevista, de acordo com a Quebec, a construção de um reservatório com capacidade para 1,31 bilhão de metros cúbicos de água. Com isso, a capacidade de regularização do rio no trecho seria ampliada em 20 m3/s. Vieira disse que o projeto prevê que a UHE Formoso tenha seu remanso junto ao canal de fuga de Três Marias e o eixo do barramento/casa de força a cerca de 12 km a montante de Pirapora.

Uma porteira aberta para a “boiada” há algum tempo…

A “boiada”, mais essa que irá pisotear o São Francisco, teve seu rumo de atropelamento já preparado com antecedência: a cancela para facilitar a truculência da bichada começou a ser aberta ainda em 2014, como mostra apresentação da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica na plenária de comissão da Câmara dos Deputados, em março de 2014.

Naquele momento, as principais bacias hidrográficas no Brasil já estavam no crivo do setor elétrico, sem que sejam conhecidas reações coordenadas, e/ou organizadas que levassem a alguma mobilização da sociedade, sobretudo das populações impactadas por esse imenso número de projetos detonadores.

Em 19 de novembro de 2019, aproveitando o ambiente sem oposição consistente, o MME – Ministério das Minas e Energia teve, no Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI) a qualificação de sete projetos seus, dentre eles o da UHE Formoso, conforme apresenta seu sítio eletrônico:

A publicação da qualificação do projeto da UHE Formoso no sítio do MME, em 2019. MME

A publicação do Decreto 10.370 em 22 de maio vem, no caso particular do São Francisco, onde a desastrosa gestão é cooperativa com o setor elétrico, consolidar a arrancada final para destruição definitiva do Velho Chico.

Fontes

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
Energia Hoje
Câmara dos Deputados
Ministério das Minas e Energia
DOU – Diário Oficial da União
Quebec Engenharia

Imagem em destaque – Quebec Engenharia

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