REDAÇÃO VIA INFOSÃOFRANCISCO / quinta-feira – 02 de abril de 2020

Anunciando de forma inadvertida uma variação do espelho d´água impossível com a mudança de vazão no Baixo, o CBHSF divulga informação que contraria dados precisos favorecendo uma indesejável e alarmista expectativa quanto à real taxa de mudança na cota

No dia 31 passado, o CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco publicou em seu sitio eletrônico (ver imagem abaixo obtida no mesmo dia e ainda em vigor na data desta publicação) a notícia: Alerta aos ribeirinhos: Vazão do São Francisco vai dobrar nesta quarta-feira (01/04). Sem maiores explicações que facilitassem a compreensão, o órgão direciona a complementação da leitura para o arquivo da Carta Circular SOO/009-2020 a CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco Para leitores menos informados, julgando as responsabilidade cabida ao órgão e a idoneidade da informação, a menção de “dobrar a vazão” poderia significar um volume substancial.

Uma veiculação de informação que não contribui para o conhecimento da realidade enfrentada pelas populações do Baixo São Francisco. Fonte – CBHSF

Porém, para pessoas que observam, acompanham e monitoram, diariamente, há anos, por razões e interesses diversos (a começar pela simples sobrevivência aos impactos das operações das barragens) as variações (da lâmina d’água) in loco e vasculham as fontes de dados referentes às operações dos barramentos (nos sítios da ANA – Agência Nacional de Águas e da CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), o quadro real é bem diverso. Para este grupo de cidadãos há um conflito entre a circulação de informações oficiais (que não necessariamente se apoiam em dados oficiais e/ou técnicos e/ou observações em campo) e as reais, produzidas a partir dos fatos e da base em dados técnicos e/ou científicos.

Dúvidas, dúvidas e dúvidas quando são necessárias certezas e precisões

Numa região onde os conflitos oriundos de posse e usos desiguais da água (de beber, para milhares de pessoas ao longo do Baixo, que não contam com acesso adequado) tendem a explodir, é precária, vaporosa, a comunicação de órgãos públicos com a sociedade.  Assim sendo, como a sociedade se defrontaria com uma notícia de que na manhã seguinte acordaria com uma “dobra” da vazão do rio (ainda que caso ocorresse, em valores, como veremos abaixo, muito aquém do que seriam adequados para a saúde dos ecossistemas e das populações)? A conta do CBHSF estaria correta? A vazão veio de fato a dobrar? Seria uma calamidade, um flagelo? Ou ainda, seria uma brincadeira de primeiro de abril, numa tentativa de provocar uma suposta graça em tempos tão difíceis?

Olho no rio e nos dados, todos os dias

Façamos as contas com todos os dados disponíveis e que têm sido divulgados, pelos sítios InfoSãoFrancisco e Canoa de Tolda. a partir de base colhida junto à ANA – Agência Nacional de Águas, CHESF e ONS – Operador Nacional do Sistema.

Até o dia 31 de março a UHE Xingó operava com vazão defluente de 816 m³/s (ver quadro abaixo).

Gráfico – Fonte: ANA

A subida para 1100 m³/s (conforme o comunicado da CHESF, que publicamos na matéria Água pouca: vazões médias no Baixo passarão a 1.100 m³/s ), um aditivo de meros 284 m³/s, evidentemente não promove o dobro da vazão.

A variação, e já foram apresentados inúmeros artigos, manifestos formais sobre tais valores, significa uma subida da lâmina de água aproximadamente 500 mm (para cada cem metros cúbicos, entre a região do sertão, imediatamente a jusante da UHE Xingó até o través de Propriá, SE e Porto Real do Colégio, AL, temos uma variação de cerca de cento e noventa, a duzentos milímetros. Qualquer interessado poderá, se assim o desejar, realizar uma régua simples, e conferir as variações diárias, no local e na base de telemetria da ANA).

A vazão não dobrou. Fonte: ANA

Caso dobrasse a vazão, segundo o Comitê, façamos as contas, a mesma passaria a 1.632 m³/s, ainda longe, bem longe do que tínhamos antes de 2013.

Portanto, a variação na cota não significa um quadro de alarme, ficando próximo de valores da metade da vazão regularizada de Sobradinho nos tempos anteriores a 2013 quando da redução abaixo dos 1.300 m³/s (basta consultar as chamadas séries históricas no Hidroweb do site da ANA – Agência Nacional de Águas).

Notícias assim elaboradas lançadas ao público alimentam uma linha midiática (que se inflama com mídias sociais sem qualquer base técnica que espalham pelo Baixo anunciando “mundos de água”; “barragens que vão pocar”; “aqui em Propriá está um mar”) que estigmatiza vazões absolutamente abaixo das vazões anteriores a 2013, consolidando as mesmas sob a qualificação de flagelos. Resultado: fica endossada a manutenção ad eternum de operações abaixo dos 1.300 m³/s. A resolução ANA 2081/2017 é um exemplo do instrumento que legaliza, através de uma norma operativa onde o rio não tem qualquer significado como patrimônio natural, a estabilização de vazões muito baixas em nossa região.

Lembrando mais uma vez: antes de 2013 a vazão média regularizada no Baixo São Francisco vinha sendo praticada em torno de dois mil metros por segundo, com variações, praticamente desde a operação de Sobradinho.

A supervalorização de vazões acima do que hoje se observa contribui para a destrutiva e definitiva lavagem da memória de como este rio corria até o oceano Atlântico, o que facilita o já tranquilo caminho para os setores que detêm a mão na torneira das águas do São Francisco.

A Comunicação dos Gestores da Água com As Populações Ribeirinhas

O Baixo São Francisco, não bastando suportar um enorme passivo socioambiental de quarentas anos de regularização do Velho Chico (desde o início das operações de Sobradinho, 1979/80) também pena com um sistema de gestão de território – incluindo, além da gestão específica dos recursos hídricos, as estruturas municipais, estaduais e federais – e das águas do rio que pouco conhece, ou desconhece em larga escala, o rio, suas populações, bichos, plantas e o real quadro do que sobrou no presente.

Decisões sobre como o rio deve ou não ser, e deram no que temos no presente, não contam, nunca contaram (e provavelmente em futuro próximo assim permanecerá) com a efetiva e definitiva participação das populações diretamente afetadas pelas operações de barramentos. Há um significativo e quase estanque distanciamento entre os ambientes das decisões e os da realidade das milhares de pessoas afetadas a cada hora com o que se determina a quilômetros e quilômetros da região.

Assim, dentre os principais entes, alguns têm seus particulares modos operacionais no campo das relações com as populações ribeirinhas:

O ONS – Operador Nacional do Sistema, o de fato e por legislação específica (veja ÁGUA DOMINADA: 700 M³/S, VAZÃO META DO SETOR ELÉTRICO ) ordenador das operações das torneiras/barramentos, em seu site, dispõe de um formulário eletrônico no espaço Fale Conosco, porém, não se trata de um protocolo eletrônico com registro das manifestações. É um órgão que dita as regras do modelo insustentável do rio, no entanto, não possui um sistema de comunicação direta, ágil, instantânea e/ou presencial junto às populações ao longo das margens.

A CHESF – Companhia Hidro Elétrica do Rio São Francisco, a mão que abre e fecha a torneira, não tem, desde a construção de Sobradinho, um escritório físico na região ou um número de acesso, gratuito (tipo 0800), como um ponto de atendimento e/ou um canal direto para cidadãos que, todos os dias, há quarenta anos, têm suas vidas impactadas pelas imposições do setor elétrico. Não apresenta, ainda, em seu sítio eletrônico, nenhum espaço com formulário para demandas ou também um sistema de protocolo eletrônico. Também, a não ser por força de alguma situação anômala, como as condicionantes da redução das vazões a partir de 2013, quando deveria realizar os sobrevoos – há meses não é visto o famoso helicóptero da CHESF a passar sobre as cabeças dessa gente, muito raramente se faz presente na região. Sua comunicação com as populações se dá através de Ofícios Circulares repassados a um conjunto de destinatários como prefeituras, órgãos estaduais, instituições (como a Canoa) sendo que ao término de cada emissão a empresa solicita “a ampla divulgação junto às comunidades ribeirinhas”.

A ANA – Agência Nacional de Águas, por sua vez, em seu sítio eletrônico apresenta ambos os sistemas: de protocolo eletrônico, de fato eficaz (a Canoa de Tolda, de) e um Fale Conosco que também cumpre o seu papel ao ser acionado. O órgão não conta com qualquer sistema de comunicação direta, instantânea e/ou presencial junto às populações ao longo das margens.

O CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que seria o canal de acesso participativo, há vários anos não dispõe de uma sede destinada ao Baixo São Francisco na região da bacia; não dispõe, em seu sítio, de um sistema de protocolo eletrônico para demandas sendo que o espaço Fale Conosco, em seu sítio eletrônico é gerido pelo setor de imprensa, e não o órgão. Não há um sistema de comunicação direta, ágil, instantânea e/ou presencial junto às populações ao longo das margens. Nesse item, a presença de membros do órgão, de forma profunda e frequente ao longo do Baixo São Francisco, não é conhecida.

O IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, que é o órgão que licencia as operações dos barramentos, através da DILIC – Diretoria de Licenciamento, em seu sitio na internet apresenta um espaço Fale com o Ibama, onde há uma série de canais de acessos, para solicitações, demandas e um número 0800 para denúncias. Mas, suas licenças para as operações dos barramentos não contemplam sua função básica, que é a proteção do patrimônio natural, em nosso caso, o rio São Francisco: as operações produziram e ainda produzem, de forma cumulativa, um desastre socioambiental que é o padrão no trato com os rios brasileiros. A não ser em casos muito específicos, de operações exclusivas, o órgão, como os demais citados, não possui sistema de comunicação direta, ágil, instantânea e/ou presencial junto às populações ao longo das margens. A presença de membros do órgão, em ações de fiscalização e/ou monitoramento ou ainda esclarecimento ambiental é rara.

550 m³/s! Vazão mínima autorizada [ainda] em vigor no Baixo São Francisco

Vamos insistir: o sistema elétrico, através da CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, operadora dos principais barramentos na bacia, está funcionando – sem qualquer questionamento tanto pelos demais entes da gestão das águas mas também por órgãos que deveriam defender o patrimônio natural e direitos humanos difusos, além dos estados e municípios afetados e pela sociedade em geral – com a Autorização Especial 012 de 2017 do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis que garante como vazão mínima 550 m³/s (quinhentos metros cúbicos por segundo), fato divulgado pelo InfoSãoFrancisco.

Imagem em destaque – Baixo São Francisco | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

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