Via OC – Observatório do Clima
quinta-feira – 31 de julho de 2019
Alfredo Sirkis, ex-coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, diz que presidente estimula crime ambiental e que tem dúvida sobre continuidade do fórum
O jornalista e ex-deputado federal Alfredo Sirkis foi exonerado em maio do cargo de secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima pelo ex-colega deCâmara, Jair Bolsonaro (PSL-RJ). A demissão do posto, que não é remunerado,ocorreu a pedido do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo-SP), cujaatuação Sirkis criticava (e ainda critica).
Desmobilizado durante o governo de Dilma Rousseff, o fórum passou seis meses acéfalo e foi remontado na gestão Temer, com Sirkis assumindo a secretaria executiva em 2017. Nesse período, produziu uma proposta de plano de implementação da NDC, a meta do Brasil no Acordo de Paris, e começava a discutir um plano de longo prazo para a descarbonização da economia brasileira na metade do século. Com um governo que desmontou a agenda de clima, o futuro desses trabalhos é incerto.
Segundo Sirkis, a preocupação mais imediata para o país no clima é com a volta do desmatamento, que, segundo ele, pode ser mais “uma grande onda do que um repique”. Pior, essa onda é soprada pelo próprio Presidente da República, que, além de desmobilizar a fiscalização, dá sinais de estímulo ao crime ambiental ao dizer, por exemplo, que o Ibama não deve destruir equipamentos apreendidos de desmatadores.
“Isso é como um Viagra para os grileiros de florestas públicas, devolutas ou em unidades de conservação, que agora vão ser desmatadas com mais voracidade, porque o ‘Mito’ liberou geral”, afirma.
Leia a entrevista.
Observatório do Clima – O que tem a dizer sobre a mudança no fórum, com sua saída em maio?
Alfredo Sirkis – Normal. Seria a quadratura do círculo coordenar um fórum presidido por um presidente da República mais seu entorno com convicções negacionistas. Fomos colegas por seis anos – dois, no Rio, como vereadores e quatro como deputados federais. Era uma relação adversária mas, em geral, pessoalmente cordial. Então eu o conheço muito bem. Sabe muito pouco, toma conhecimento dos temas de orelhada e mentalmente coloca mudanças climáticas e meio ambiente, pavlovianamente, na caixinha do “comunismo”. Estar no poder obviamente piora mais ainda, vem aquela sensação de onipotência.
Bolsonaro vê a questão de mudança do clima como algo “da esquerda”… Uma bobagem. A esquerda que nos anos 1980, 1990 era majoritariamente hostil – ecologia é preocupação pequeno-burguesa, desvia da luta de classes. Acabou adotando o tema depois do assassinato do Chico Mendes. Há ali ambientalistas sérios, mas uma boa parte enxergava nesses temas apenas “bandeiras de luta”, que tentam associar a um anticapitalismo nefelibata. A economia de mercado seria intrinsecamente antiecológica. Mas economia de mercado é o existe hoje no mundo inteiro. Pode ser mais, menos ou nada sustentável, mas é a realidade global. Quem visitou o “socialismo real”, antes da queda do Muro de Berlim, viu o desastre ecológico que era aquilo. Na verdade, Bolsonaro e sua turma ignoram que os pioneiros da ecologia no Brasil foram o Marechal Rondon, que dispensa apresentações, o major Archer, que fez o maior reflorestamento no planeta, antes dos atuais que estão sendo feitos pelos chineses, o almirante Ibsen Gusmão, Marcelo de Ipanema e José Lutzemberger – nenhum deles um “esquerdopata”, como eles dizem.
OC – Mas a geração de vocês tinha essa tendência.
AS – [Fernando] Gabeira, [Carlos] Minc e eu, que somos uma segunda ou terceira geração de ambientalistas, de fato viemos da esquerda, dos anos 1970, mas já
com uma visão crítica dela. Por isso fundamos o PV, que acabou nas mãos da pequena política tradicional, embora ainda restem alguns abnegados como o
Eduardo Jorge, o Rogério Medeiros e o André Fraga. Mudança climática não é nem de esquerda nem de direita, é sobre o futuro de nosso filhos, netos e bisnetos, para que não vivam num inferno sobre a Terra. A questão climática, muito mais que “ambiental” no sentido estreito da palavra, é uma agenda de desenvolvimento sustentável, onde a economia tem um peso central.
OC – O negocionismo climático é de direita?
AS – Já encontrei negacionistas de esquerda que achavam que era tudo uma farsa do imperialismo americano contra nosso desenvolvimento. Agora o Trump
atribui à China. Negacionismo é burrice ou lobby, ponto. São como aqueles médicos, contratados pela indústria do tabaco, nos anos 1950 que iam à TV dizer que não havia “prova científica” que cigarro dava câncer. Aí era lobby, odioso, assassino.
Na ala da burrice são que nem os terraplanistas. No Brasil, nem o lobby do carvão nem o do petróleo são negacionistas. Aceitam a discussão de descarbonização mas em termos que não cabem numa trajetória nem de 2 graus. Negacionistas são os “olavetes” e a turma, criminosa, do desmatamento ilegal.
OC – O desmatamento subiu mais de 200% em julho e fechará o ano bem acima
da taxa do ano passado. O que fazer?
AS – Temo que, mais que um repique, isso seja uma grande onda, mesmo. Temos um discurso presidencial de “liberou geral”, o desmantelamento da fiscalização. O Ibama, antes, já estava quase em colapso com metade do efetivo necessário e um concurso que tardava e não saía. Agora… é um enorme estímulo quando você proíbe a destruição in loco do equipamento das facções criminosas que desmatam e poluem rios com mercúrio e matam indígenas. Não pode destruir mais o trator com correntão, quebrar a motosserra ou o equipamento do garimpo ilegal. É legalmente autorizado, mas vai o Presidente na internet dizendo que não pode mais – o MP deveria verificar se ali não há um crime de responsabilidade dele. Isso é como um Viagra para os grileiros de florestas públicas, devolutas ou em unidades de conservação, que agora vão ser desmatadas com mais voracidade, porque o “Mito” liberou geral. Isso também estimula a indústria de falsificação cartorial para “esquentar” o produto desse desmatamento e se apropriar de terras da República. Vejo o assunto no colo do ministro Sérgio Moro.
OC – E desmatamento legal?
AS – Aí precisamos encontrar mecanismos de estimulo econômico, como o pagamento por serviços ambientais e a precificação positiva. Esse estímulo tem de servir tanto para a população pobre da floresta ser desestimulada, para ajudar a evitar que se envolvam com atividades ilegais, quanto para o empresário do Cerrado, por exemplo, que pode legalmente desmatar, mas passa a ter um estímulo para não fazê-lo. Há projetos no Congresso, é uma questão complexa, mas precisa ser enfrentada.
OC – Como vê o futuro do fórum?
AS – O Oswaldo Lucon é uma pessoa com conhecimentos técnicos, uma boa visão ambiental e climática. Está numa missão dificílima. Não pode ficar subordinado a este ou aquele ministério, precisa se relacionar com os oito ou nove ministérios que participavam do GEx, o grupo executivo para mudanças climáticas. Volto a repetir: clima não é uma questão “ambiental” mas de desenvolvimento. Precisa manter a interlocução com as o setor empresarial, as ONGs e a academia sem se dobrar a pressões idiossincráticas ou ideológicas. E, sobretudo, precisa dar continuidade ao que vinha sendo feito.
Passamos dois anos preparando, com aporte de 214 organizações desses quatro setores e 537 pessoas da Proposta Inicial para a Implementação da NDC Brasileira. É, de fato, um documento fruto de um trabalhoso consenso e serve de base para discussão com o governo, qualquer governo, inclusive esse. Tem também a discussão de longo prazo para o qual existe o estudo Brasil Carbono Neutro em 2060 e A Estratégia de Longo Prazo para 2050.
OC – O que acontece com a agenda do fórum, que incluía a revisão da NDC?
AS – Não sei. Me ofereci para ajudar numa transição harmônica, desde que o fórum não seja deturpado ou rebaixado. Este ano estaria programada a discussão de metas setoriais e a de uma proposta mais avançada de NDC, para 2020, pois sabemos que o somatório das atuais nos coloca numa trajetória de 3 graus. O primeiro documento nos oferece dicas de como poderíamos ir mais longe. Acho que uma nova NDC brasileira deveria ser condicional a um Fundo Garantidor
internacional que financie maciçamente projetos de descarbonização ao menor juro existente no mercado internacional com o melhor prazo de carência. Os governos do países ricos devem oferecer garantias a esse fundo, junto com os entes multilaterais. E temos de avançar no conceito da precificação do menos-
carbono. Nós colocamos isso no Acordo de Paris: as ações de mitigação possuem um valor econômico intrínseco: o menos-carbono vale dinheiro.
OC – E a questão subnacional a que você vem se dedicando?
AS – Independentemente do fórum, mas desejando seu apoio, entre outros, estou trabalhando com os governos de Estado, prefeituras e iniciativa privada num ente subnacional. Isso já era crucial antes desse governo. Envolve a ABEMA, a ANAMA, o ICLEI, as associações diversas de prefeitos, organizações empresariais como o CEBDS, a Ethos. Envolve um diálogo com a FIESP, a FIRJAN e outros. Mesmo que fosse outro tipo de governo, seria crucial melhorar muito a performance nos Estados. Há males que vem para o bem, vou ter mais tempo para isso.
OC – Que outras iniciativas?
AS – Estou terminando de escrever meu novo livro. Chama-se Descarbonário. Embora no jogo de palavras assim pareça não se refere ao tema de Os Carbonários, meu best seller de já lá se vão 40 anos, premio Jabuti, em 1981. É sobre minha ação na descarbonização, como fui entendendo a questão da mudança do clima, que, inicialmente, considerava apenas uma dentre muitas questões “ambientais” virou tão importante para mim. Foi a partir de 2005, ouvindo uma líder esquimó, que passei a vê-la como a grande questão civilizacional contemporânea. Conto também de algumas questões e folclores da política brasileira, no último período em que participei dela, quando deputado federal. Analiso os antecedentes da atual situação.
◊ Via Observatório do Clima
Imagem em destaque – Câmara dos Deputados
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