VIA DEUTSCHE WELLE / segunda-feira – 17 de fevereiro de 2020

Empresas são acusadas de homicídio doloso e crimes ambientais por rompimento de barragem em Brumadinho que deixou 270 mortos. Ex-presidente da Vale e outras 15 pessoas também se tornam réus.

A Justiça em Minas Gerais aceitou nesta sexta-feira (14/02) a denúncia contra a mineradora Vale e a empresa alemã TÜV Süd por homicídio doloso duplamente qualificado e por diversos crimes ambientais devido ao rompimento de uma barragem em Brumadinho, que deixou 270 mortos no início de 2019. Além das empresas, 16 pessoas ligadas às duas companhias também viraram réus.

Segundo a denúncia do Ministério Público (MP) de Minas Gerais (veja no quadro abaixo), as duas empresas sabiam dos problemas da barragem na mina de Córrego do Feijão e atuaram juntas para escondê-los. A Vale tinha conhecimento da situação desde 2017. Já a TÜV Süd cedeu à pressão da mineradora e atestou a estabilidade da estrutura em troca de outros contratos, segundo a acusação.

As investigações sobre a tragédia indicam que os engenheiros da TÜV Süd sabiam que a barragem tinha problemas de segurança desde março de 2018. Um diretor da certificadora na Alemanha, que supervisionava a equipe brasileira e viajava cerca de uma vez por mês ao Brasil, teria sido informado sobre o caso e questionado pelos funcionários sobre como eles deveriam agir naquela situação. Apesar das dúvidas quanto à segurança e da recomendação de um dos engenheiros para não confirmar a estabilidade, a TÜV Süd atestou a estabilidade da barragem em junho e setembro de 2018, poucos meses antes do rompimento da estrutura.

A confiança dos clientes na qualidade das certificações é o maior capital das TÜVs. Na Alemanha, a expressão “certificado pela TÜV” virou sinônimo de qualidade. No Brasil, a TÜV Süd, que usa o slogan “Mais valor. Mais confiança.”, é agora investigada para saber como foi possível que uma barragem certificada pela empresa rompesse. Foto: DW

Segundo o inquérito, o presidente da Vale na época também sabia dos riscos de rompimento da barragem em Brumadinho. Dias antes da tragédia, ele teria  determinado a retaliação de um funcionário que enviou um e-mail anônimo denunciando a situação da estrutura. A investigação vasculhou os mais de 90 equipamentos apreendidos, entre computadores e celulares. Em um dos aparelhos, mensagens trocadas entre funcionários do alto escalão foram convertidas em 457 mil páginas de um PDF. Mais de 180 pessoas foram ouvidas.

Entre os acusados estão ainda o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman, executivos e funcionários da mineradora, além de um diretor alemão da TÜV Süd,  Chris-Peter Meier, e quatro especialistas da certificadora. Todos vão responder por 270 homicídios dolosos e crimes ambientais.

Em nota, a TÜV Süd afirmou que lamenta a tragédia e disse que está comprometida para o esclarecimento sobre as causas ao desastre. “Continuamos oferecendo nossa cooperação às autoridades e instituições no Brasil e na Alemanha no contexto das investigações em andamento”. A certificadora reiterou que não fornecerá mais informações enquanto essa apuração estiver em curso.

A defesa de Schvartsman afirmou que seu cliente é inocente e que as razões do rompimento ainda estão sendo investigadas pela Polícia Federal. “Todas as
informações que chegaram ao então presidente eram de caráter geral, divulgadas na empresa por intermédio das áreas técnicas responsáveis pela manutenção e monitoramento das barragens, e davam conta de que todas as barragens estavam estáveis e em perfeito estado de conservação, sendo que o trabalho do corpo técnico chegou a ser elogiado pela auditoria e por consultores internacionais”, diz a nota.

VALE E TÜV SUD SÃO DENUNCIADAS POR HOMICÍDIO DOLOSO

O desastre de Brumadinho demonstra a precariedade das operações de mineração no Brasil (e seus licenciamentos). Foto – Reuters / Washington Alves – via DW

Ministério Público denuncia ainda ex-presidente da Vale e outras 15 pessoas, além de pedir prisão cautelar de diretor da TÜV Süd na Alemanha. Conluio entre
empresas levou à tragédia em Brumadinho, dizem investigadores.

Às vésperas do primeiro aniversário da tragédia causada pelo rompimento de uma barragem em Brumadinho, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou nesta terça-feira (21/01) a mineradora Vale e a alemã TÜV Süd por homicídio doloso duplamente qualificado e por diversos crimes ambientais.

Além das empresas, 16 pessoas ligadas às duas companhias foram denunciadas pelos mesmos crimes. Entre os nomes listados pelo MP estão o do ex-presidente da Vale e o do gerente-geral da TÜV Süd. Na tragédia, em 25 de janeiro de 2019, o rompimento abrupto da estrutura matou 270 pessoas soterradas pela lama que se movimentou em alta velocidade. A destruição e a contaminação escorreram pelo rio Paraopebas e inviabilizaram o modo de vida de várias comunidades, além de impedir a captação de água. Com o colapso da estrutura, 9,7 milhões de metros cúbicos de rejeito foram liberados no meio ambiente.

Além da denúncia à Justiça, o MP pediu a prisão cautelar do gerente-geral da TÜV Süd sob alegação de que ele não contribuiu para as investigações. Por outro lado, segundo os promotores, há o risco de a lei penal não ser aplicada pelo fato de ele residir na Alemanha.

Depois de ouvir 183 pessoas entre acusados, testemunhas e sobreviventes, o inquérito concluiu que as duas empresas mantinham uma relação promíscua e escondiam das autoridades, acionistas e investidores a inaceitável situação de segurança das barragens de mineração da Vale.

“Essa ainda não é a resposta que a sociedade merece”, afirmou sobre a denúncia o promotor de Justiça William Garcia Pinto Coelho, durante coletiva de imprensa em Belo Horizonte. “Mas sim um julgamento e condenação com efetiva prisão de todos aqueles que contribuíram para que o resultado do que aconteceu no dia 25 do ano passado ocorresse da forma e proporção que ocorreram.”

Os denunciados devem ser julgados pela Justiça Estadual, no Tribunal do Júri em Brumadinho. O processo apresentado à Justiça, segundo Coelho, chegou a uma “conclusão firme, responsável e sólida” que, espera, resulte na condenação dos acusados.

Risco conhecido

As investigações apontaram que a Vale conhecia os problemas da Barragem I da mina Córrego do Feijão pelo menos desde 2017, e que a situação teria se agravado no ano seguinte com o registro de diversas anomalias. Entre as principais falhas que traziam riscos de rompimento e eram de conhecimento da mineradora estão erosão interna e liquefação, ligadas a problemas de drenagem interna da barragem. A própria mineradora classificava a estrutura como em “inaceitável situação de segurança”.

Em junho de 2018, num documento interno, a barragem I da mina Córrego de Feijão apareceu na lista das dez estruturas da empresa com maior probabilidade de falha. Dias depois, porém, a barragem recebeu da TÜV Süd o atestado de estabilidade.

Segundo Coelho, esse seria um exemplo do mecanismo de pressão usado por funcionários da Vale contra empresas de auditoria externa. “Eram mecanismos de  retaliação e recompensas. Quem não aceitava entrar no conluio e mostrava discordância, era retaliado e afastado dos contratos”, explica o promotor. Segundo ele, a TÜV Süd cedeu e foi recompensada por isso. O conluio com a Vale teria rendido bons negócios à empresa alemã, que expandiu sua atuação no Brasil após fechar contratos com a mineradora, aponta o inquérito. Ao mesmo tempo em que emitia os laudos de estabilidade para a Vale, a TÜV Süd executava trabalhos de auditoria externa, o que, segundo os investigadores, comprometia a independência do trabalho.

“Declarações falsas serviam de escudo para a Vale manter suas atividades perigosas. Permitiam a omissão da corporação na adoção de medidas de segurança
e emergência. Tudo isso para evitar impacto negativo na reputação da Vale que afetasse o valor de mercado da empresa”, comentou Coelho, que chamou a postura de “ditadura corporativa”.

Questionado pela DW Brasil sobre a colaboração da matriz alemã TÜV Süd com as investigações no Brasil, Coelho disse que a empresa nunca respondeu às solicitações. O Ministério Público cogita solicitar apoio institucional de órgãos na Alemanha. “Na instância judicial, é possível que uma colaboração se aprofunde para que medidas sejam adotadas na Alemanha”, detalhou. Segundo o inquérito, o gerente-geral da TÜV Süd ocupava uma posição central e participou das decisões que contribuíram para o rompimento. “Ele detinha conhecimentos específicos sobre contratos e foi consultado ao tempo em que ocorreu o auge das pressões da Vale”, afirmou Coelho.

Por meio de sua assessoria jurídica, o gerente-geral da TÜV Süd contestou as alegações do MP e afirmou ter oferecido “repetidas vezes sua colaboração à promotoria brasileira”. A assessoria jurídica questiona também o pedido de prisão. “Em um Estado de Direito, ninguém é preso por não colaborar com as autoridades”.

A “caixa preta”

Para Antônio Sérgio Tomé, procurador-geral de Justiça de Minas, os denunciados – tanto a Vale como a TÜV Süd – “apostaram muito alto ao fazer vistas grossas à situação de risco daquela barragem”.

A investigação vasculhou os mais de 90 equipamentos apreendidos, entre computadores e celulares. Em um dos aparelhos, mensagens trocadas entre funcionários do alto escalão foram convertidas em 457 mil páginas de um PDF – que foi lido por completo, segundo os investigadores. Segundo o inquérito, o presidente da Vale na época sabia dos riscos de rompimento da barragem em Brumadinho. Dias antes da tragédia, ele teria determinado a retaliação de um funcionário que enviou um e-mail anônimo denunciando a situação da estrutura. À época, ele classificou a denúncia de “desaforo” e mandou que o remetente, chamado de “cancro”, fosse retirado da corporação, apontam os e-mails enviados pelo então presidente da mineradora.

“Isso mostra o clima hostil a denunciantes de boa fé”, comentou Coelho.

Para os investigadores, os 16 acusados cometeram o crime de homicídio doloso 270 vezes, que é o número de vítimas confirmadas.

Nota da redação DW: Este texto foi editado em 27/01 para incluir o posicionamento da defesa da TÜV Süd.

Imagem em destaque – Vista aérea da barragem de Brumadinho após o rompimento. Reuters/DW

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