Via O Eco – Carolina Lisboa / terça-feira – 17 de dezembro de 2019
Estudo realizado por cientistas brasileiros apresenta uma lista atualizada das espécies de plantas com flores das florestas e bosques sazonais da Caatinga e mostra que as espécies não lenhosas, que incluem ervas e trepadeiras, são importantes para a diversidade geral e fazem com que a relação espécies/área da Caatinga seja quase o dobro da encontrada na Amazônia.
Uma lista atualizada das espécies de plantas com flores das florestas e bosques sazonais da Caatinga registrou 3.347 espécies, 962 gêneros e 153 famílias, das quais 526 espécies e 29 gêneros, 15% do total, são endêmicas – só existem na Caatinga. O estudo, publicado na revista Journal of Arid Environments em 15 de novembro, verificou que as espécies não lenhosas, que incluem ervas e trepadeiras, são importantes para a diversidade geral e fazem com que a relação espécies área da Caatinga (4,0×10?3 espécies/km2) seja quase o dobro da encontrada na Amazônia (2,5×10-3 espécies/km2).
Em entrevista para ((o))eco, Moabe Fernandes, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) da Bahia e primeiro autor do artigo, esclarece as principais conclusões do estudo.
O Eco: Este trabalho registrou 3.347 espécies de plantas para a Caatinga, e a comparação com outras listas revela até 45% de incongruência. O que isso quer dizer e como vocês chegaram nesses números?
Moabe Fernandes: Nosso checklist foi compilado a partir de uma variedade de fontes que inclui: publicações de novas espécies, outros checklists publicados anteriormente, mas principalmente os dados taxonomicamente verificados recuperados do Flora do Brasil 2020, um projeto que reúne os principais taxonomistas em atuação no país e sumariza grande parte do conhecimento da diversidade da flora brasileira. É bom frisar que os números que apresentamos (3.347 espécies) ainda representam uma contagem incompleta da diversidade total, já que uma grande quantidade de grupos taxonômicos são ainda pouco estudados, e investigações mais aprofundadas provavelmente revelarão números ainda mais expressivos.
A incongruência das nossas estimativas, quando comparada com outros estudos, é devido principalmente à utilização de diferentes delimitações para a Caatinga. Nossa delimitação faz alusão ao significado original da palavra (“Mata branca” no Tupi-guarani), abarcando exclusivamente a vegetação decídua (que perde as folhas periodicamente), que está sujeita a regimes de precipitação pouco volumosos (abaixo dos 1.100 mm/ano) e disponibilidade de água sazonal, recebendo a maior parte dessa precipitação em apenas poucos meses, sujeita a seca durante o resto do ano. Outros autores, no entanto, incluem uma variedade de formações vegetacionais com composição, funcionamento e ecologias bastante distintas sob a denominação “Caatinga”. Em resumo, nosso trabalho apresenta a Caatinga como sendo composta apenas por comunidades relacionadas ao bioma global das Florestas e Arbustais Sazonalmente Secos (SDTFW, do inglês Seasonally Dry Tropical Forest and Woodlands) enquanto outros estudos incluem nas suas delimitações representantes de outros biomas globais como as Savanas (cerrados e campos rupestres) e as Florestas Úmidas.
A inclusão desses outros tipos vegetacionais no contexto das formações sazonalmente secas pode ser um impedimento à conservação de uma flora altamente especializada e endêmica. Através da avaliação de outros trabalhos científicos percebemos, por exemplo, que grande parte das áreas consideradas como “de importância para a conservação na Caatinga” geralmente estão relacionadas à ocorrência de fragmentos de Floresta úmida (conhecidos como Brejos de altitude) ou de Campos rupestres. Desse modo, se áreas forem escolhidas com base nessa delimitação, muito provavelmente a vegetação sazonalmente seca que domina a maior parte do Nordeste brasileiro seria preterida em detrimento desses outros tipos de vegetação, que também são incrivelmente ricos, mas deveriam ser considerados em outro contexto.
O estudo verificou que a relação espécies/área da Caatinga, que é de 4 espécies por m² ou 4,0×10–³ espécies/km², é quase o dobro da Amazônia, que é de 2,5 espécies por m² ou 2,5×10–³ espécies/km². O que explica essa alta diversidade?
Dizer “o que explica” essa diversidade elevada é bastante difícil sem um teste científico rigoroso. Ao que parece, a elevada heterogeneidade ambiental devido a grande variação em características relacionadas ao relevo, clima, solo, precipitação, entre outros, é responsável pela complexidade biológica e elevada diversidade no Nordeste do Brasil. A variação de tais fatores é menos pronunciada na Amazônia. Mas acho que o principal insight que deriva desses números é que as SDTFW do nordeste do Brasil abrigam uma flora extremamente diversa. Isso vai de encontro ao que era afirmado até recentemente (dois importantes cientistas brasileiros, Dárdano Andrade-Lima e Carlos Rizzini, afirmavam que a Caatinga era uma área pobre em espécies e endemismo) e chama atenção para a importância de uma das vegetações mais degradadas e menos estudadas do país. Assim, apesar do apelo emocional relacionado à questão da Amazônia e da Mata Atlântica, a Caatinga também aparece como uma reserva essencial da biodiversidade nacional.
Foram encontradas 526 espécies endêmicas de plantas na Caatinga. Contudo, sabemos que aproximadamente 1,2% do Bioma se encontra protegido por meio de Unidades de Conservação de Proteção Integral e que seu território possui vários núcleos de desertificação. Qual a importância dessas espécies e como poderíamos conservá-las efetivamente?
Essas espécies têm valor inestimável. Elas são linhagens extremamente especializadas que resultaram de milhões de anos de história evolutiva. Além do mais, muitas delas podem ter valor prático ainda não explorado pelo homem e poderiam, por exemplo, representar a cura de doenças ou desenvolvimento de novos produtos. Acredito que a conservação dessas espécies passa principalmente por dois aspectos: (i) consciência de que elas fazem parte do patrimônio do povo brasileiro e, (ii) uma legislação específica para essa região, a exemplo da lei da Mata Atlântica.
Digo isso porque, por um lado vejo (muito assustado) que uma parcela da população brasileira está caminhando na direção oposta do “mundo civilizado”, e considera que a preservação de áreas naturais é um dos impedimentos para o desenvolvimento do país. Isso, por si só, é um absurdo. Por outro lado, vejo também que, por suas características particulares, não é adequado que “ações que objetivam a conservação da biodiversidade” sejam transpostas de outras áreas para a Caatinga. Na Caatinga é comum que a composição de espécies varie bastante no espaço (um local compartilha poucas espécies com outro) e que as espécies sejam localmente abundantes, mas com uma área total de distribuição muito restrita. A literatura mais recente afirma que, nesse contexto, para que unidades de conservação sejam efetivas, elas devem ser muitas e espacialmente bem distribuídas. Isso ressalta o ponto (ii) que mencionei anteriormente e demonstra a necessidade do desenvolvimento de políticas específicas, se desejarmos conservar as espécies da Caatinga.
Fontes – O Eco
Imagem em destaque – A florada da embira vermelha, na Reserva Mato da Onça – Foto | Rede InfoSãoFrancisco
Você está acompanhando os conteúdos apresentados pela Canoa de Tolda e já deve ter sua avaliação a respeito do que é disponibilizado para apresentar o Baixo São Francisco real em contraposição ao oficialmente divulgado.
Tentamos fazer o melhor possível há 21 anos, expondo como aqui se vive, de fato; publicando análises sobre situações variadas do quadro socioambiental da região; investigando aplicações de recursos públicos, dentre tantos temas, e também desenvolvemos projetos culturais, como o restauro da canoa de tolda Luzitânia ou ainda pela conservação da biodiversidade do Baixo São Francisco, como a Reserva Mato da Onça e seu programa Caatingas – Meta 2035.
Por isso, para colaborar, faça uma doação. A Canoa de Tolda não pode deixar de navegar.