Via a Redação / sexta-feira – 06 de dezembro de 2019

Na Reserva Mato da Onça, soluções simples, baratas, contribuem para a melhoria da produção de mudas que serão destinadas ao enfrentamento da crise das mudanças climáticas e no combate ao avanço da desertificação do semiárido no Baixo São Francisco

A produção de mudas (de qualidade, respeitando o DNA característico da região e em larga escala) de espécies das caatingas do Baixo São Francisco é uma atividade urgente, básica e essencial para a recuperação das matas e principal ação no enfrentamento do avanço da desertificação.

Em qualquer iniciativa séria de recuperação e conservação do bioma e enfrentamento ao desastre das mudanças climáticas a disponibilidade de mudas nativas deveria ser uma das condicionantes iniciais do desenho do projeto, sobretudo, como já apresentamos (veja o artigo Poucas sementes no semiárido: caatingas em alto risco ), pelas dificuldades cada vez maiores na obtenção de boas matrizes e sementes de qualidade (e em grande quantidade) para a produção intensiva das plantas.

Mesmo em área sombreada, os sacos pretos aquecem de forma acentuada o substrato e as raízes das mudas. Foto | Canoa de Tolda

Outro ponto: a produção de mudas de semiárido, na fase inicial de germinação e em seguida no preparo para a adaptação à exposição total ao tempo consome água para a irrigação. No quadro atual de comprovado aumento das temperaturas e insolação extrema, mesmo em locais com proteção de telas de sombreamento, as sementes em processo de germinação e as plantas jovens exigem umidade mínima necessária para o desencadeamento do processo e sobrevivência inicial, respectivamente.

Em seguida, já em local aberto, completamente exposto para a seleção final das mudas mais resistentes, há também a necessidade de manter cada exemplar em boas condições de saúde até o momento do plantio.

Para todos os casos – e estamos falando em milhares de mudas, algo na ordem de mais de 35.000 plantas/ciclo em cada estágio do processo de produção – a quantidade de água diária é considerável e o seu uso deve ser controlado com precisão para a manutenção dos estoques de segurança (o sistema na RMO – Reserva Mato da Onça opera com energia solar que tem horários ideais de funcionamento para a bomba, dependendo também de condições meteorológicas, como o céu mais limpo).

Um problema: mudas cozinhando ao sol não combinam com os objetivos

Temos então, de forma simplificada e no caso particular da produção na RMO , dois elementos relevantes a considerar para manter mudas vivas e saudáveis (dentro em faixa de consumo mínimo de água necessária para tal): a temperatura muito elevada já na primavera, mesmo pelas manhãs, e a manutenção da umidade no substrato dos sacos de mudas pelo maior tempo possível.

As observações e constatações apresentadas provocaram, por anos, sobre a razão lógica de serem os sacos de mudas em plástico preto, que concentrando a irradiação solar, aquecem de forma considerável o substrato chegando, em horários de sol a pino, a temperaturas que mal permitem o manuseio. Podemos imaginar o efeito sobre as raízes das mudas e na acelerada evaporação da água utilizada para irrigar o substrato.

Plantas em situação de risco e consumo de água excessivo não combinavam com a busca de melhor eficiência na produção de mudas sadias, dentro de um ciclo temporal adequado e com perdas mínimas.

Uma possível solução: simples, mas enraizada em uma “tradição” de origens desconhecidas

A questão da cor preta dos sacos de muda foi algo que sempre causou perturbação. Uma solução possível, simples? Sacos brancos. Sacos brancos para baixar a temperatura, propiciando condições melhores para a planta e seu sistema radicular e retardando a evaporação da água da molha.

Gradativamente, é feita a transição dos sacos pretos para os brancos. Foto | Canoa de Tolda

Aparentemente algo tão simples, encontrar os sacos brancos foi, na verdade, nada fácil. Em busca dos sacos brancos, foram feitas inúmeras demandas, em todo o Brasil, entre fornecedores e fabricantes de sacos de mudas. Não tivemos sucesso em obter ao menos um fabricante que propusesse um teste: a resistência à mudança, mesmo com discussões sobre as possíveis vantagens do produto não foi um motivo de convencimento.

Finalmente, e não excessivamente longe da Reserva, foi bem sucedida a negociação com nosso atual fornecedor e parceiro, a Isopack [1], em Sergipe, que se propôs a fabricar os sacos em plástico branco. Sem maiores complicações: “vocês nunca pediram sacos brancos, então fazíamos pretos, mesmo…”

Ainda em fase experimental, os sacos brancos podem ser uma solução interessante. Foto | Canoa de Tolda

Hoje, gradativamente, o viveiro vem ficando mais claro, mais fresco, à medida que os sacos brancos vão substituindo os finais de estoque dos modelos ainda na cor preta.

Por enquanto, a utilização dos sacos brancos está em fase experimental, ainda que seja conclusiva a menor temperatura dos substratos nos sacos brancos e a maior permanência da umidade do material.

Deve ser acrescentada como vantagem a maior durabilidade do plástico, que leva maior tempo para atingir estado de degradação sob os raios solares. E, também, a facilidade para a visualização de organismos, insetos, pragas invasoras na área do viveiro.

Ainda não temos resultados mais consistentes para a permanência dos sacos em tempo mais prolongado ao sol e os benefícios para a conservação e desenvolvimento das mudas. Tais avaliações estarão disponíveis dentro de mais alguns meses com exemplares dedicados exclusivamente para a análise.

1- n.e – a menção não é uma contrapartida publicitária, prática que não é aplicada em nossas
atividades.

♦ A Reserva Mato da Onça é uma iniciativa permanente da Canoa de Tolda.

♦ Esta ação faz parte do conjunto de iniciativas da permanentes da Canoa de Tolda no enfrentamento do desastre das mudanças climáticas.

Imagem em destaque – Viveiro da Reserva Mato da Onça – Foto | Rede InfoSãoFrancisco

Você está acompanhando os conteúdos apresentados pela Canoa de Tolda e já deve ter sua avaliação a respeito do que é disponibilizado para apresentar o Baixo São Francisco real em contraposição ao oficialmente divulgado.

Tentamos fazer o melhor possível há 21 anos, expondo como aqui se vive, de fato; publicando análises sobre situações variadas do quadro socioambiental da região; investigando aplicações de recursos públicos, dentre tantos temas, e também desenvolvemos projetos culturais, como o restauro da canoa de tolda Luzitânia ou ainda pela conservação da biodiversidade do Baixo São Francisco, como a Reserva Mato da Onça e seu programa Caatingas – Meta 2035.

Por isso, para colaborar, faça uma doação. A Canoa de Tolda não pode deixar de navegar.