HISTÓRIA | VIAJANTES 

por ETEVALDO AMORIM | SEXTA-FEIRA – 02 de JULHO de 2021

Ainda ao tempo do Império, durante o Governo do “Gabinete de 7 de março”, chefiado pelo Visconde do Rio Branco, o Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. José Fernandes da Costa Pereira Júnior, pensou em estabelecer no Brasil uma exploração regular e sistemática do seu vasto território.

Assim, em Aviso dirigido ao Dr. Charles Frederick Hartt(i), em 30 de abril de 1875, comunica os objetivos e o nomeia para Chefe da Comissão:

“O governo imperial resolveu mandar proceder aos estudos preparatórios para o levantamento de uma carta geológica do Império. Esses estudos deverão habilitá-los a conhecer, dentro de alguns anos, a estrutura geológica do país, a sua paleontologia, a riqueza dos seus minerais e facilidade de explorá-los”.

Elias Fausto Pacheco Jordão. Foto: via autor.

Nesse mesmo expediente, o Ministro autoriza o Dr. Hartt a contratar os ajudantes de que necessitar. Assim, em Portaria do

Ministério da Agricultura, de 30 de abril de 1875, foram nomeados os seus membros: Chefe: Carlos Frederico Hartt; Richard Rathbum; John Casper Branner; Orville A. Derby e dois engenheiros brasileiros, Francisco José de Freitas e Elias Fausto Pacheco Jordão, Dela faziam parte, ainda, Frank de Yeaux Carpenter (Engenheiro Civil, formado na U. de Cornell) e Herbert H. Smith e Luther Wagoner.

Já em final de 1875, Pacheco Jordão envia ao Jornal do Recife ligeiras notas do que observara do decorrer dos trabalhos da Comissão, publicada na edição de 17 de fevereiro de 1876, que ao final transcrevemos.

EXCURSÃO AO BAIXO S. FRANCISCO – DESCRIÇÃO GEOLÓGICA – A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

Senhores Redatores d’A Província,

Diversos motivos obrigaram-me a demorar a notícia que havia prometido dar sobre a viagem ao Baixo S. Francisco, e só agora é que posso enviar esta ligeira nota.

A 16 de setembro, partimos da cidade do Recife para Penedo, via Maceió. A 19, entramos no rio S. Francisco, cuja foz, larga bastante, porém obstruída por grandes bancos de areia, só oferece um canal estreito para passagem dos vapores, sendo esta bastante difícil e algumas vezes perigosa.

Universidade de Cornell – O Novo Mundo New York – 24/06/1871

O panorama aí é magnífico: aqui são casas de palha de pescadores, grandes montes de areia de forma cônica, formadas pelo vento; ali ilhas e vegetação luxuriosa como que comprovando a fecundidade do solo.

Os terrenos em ambas as margens são baixos e planos, até pequena distância de Penedo (7 léguas); eles consistem geralmente em areia com uma camada superficial de argila aluvial de cor amarela escura, o que os torna muito férteis e apropriados à cultura da cana, algodão , mandioca, etc.

Infelizmente, porém, eles são pouco cultivados, e as plantações que existem são pequenas; a margem direita, província de Sergipe, é a mais aproveitada, principalmente nas imediações da povoação de Piaçabuçu, onde o fabrico do açúcar e cachaça é de alguma importância, apesar do atraso dos agricultores e dificuldade que o sistema usado cria por si mesmo.

Depois de duas e meia horas de viagem, chegamos a Penedo, cidade antiga, construída pelos holandeses, com população de 8.500 habitantes.

A perspectiva da cidade, vista de longe, é soberba. Porém ela, em si mesma, está em estado de decadência e sem vida comercial. Essa cidade é, pois, o antípoda do que devia ser. Por isso que seu local e posição fornecem meios para ser a metrópole das Alagoas, um grande centro de comércio e indústria da Província.

Vista do Penedo_AL vendo-se o platô terciário ao fundo, na Vila Nova, atual Neópolis. Foto Marc Ferrez, 1875

Aos sábados, há ali uma feira, que atrai os habitantes todos da circunvizinhança de Penedo.

Penedo se acha sobre um morro de formação cretácea, composto de grossas camadas de sandstone (ii), sem fósseis, e xisto argiloso, predominando a primeira. O sandstone é muito compacto e de excelentes qualidades para construção. Não muito distante desta cidade, no interior, existem terrenos calcários que produzem muito boa cal.

Não sendo possível seguir a vapor de Penedo para diante, por se achar o rio muito baixo e porque os vapores não são próprios para a navegação fluvial, a viagem é feita em canoa até Piranhas (31 léguas). De Penedo, os terrenos em ambas as margens começam a elevar-se. Os morros, entre esta e a cidade de Propriá (7 léguas), são muito irregulares e muitas vezes isolados; eles compõem-se geralmente de sandstone cretáceo com camadas terciárias.

No morro do coronel Chaves, junto a Propriá, as rochas compõem-se de séries de calcário, xisto e sandstone calcário ocorrendo, na primeira, fósseis, de algum modo decompostos e em quantidade tão apegados uns aos outros, que pouco são de utilidade aos estudos da paleontologia. Ali, todavia, a Comissão conseguiu obter uma pequena coleção em bom estado.

De Propriá a Pão de Açúcar a vegetação é pobre e os terrenos não são bons; estes se compõem de rochas metamórficas que se estendem a alguma distância acima da Cachoeira de Paulo Afonso.

Pão de Açúcar é uma Vila, cujo nome parece ser derivado da forma de um dos morros junto a ela, com uma população de cerca de 2.000 habitantes, sem importância alguma, sendo seu comércio principal de gado vacum. A diversidade das formas dos morros e posição relativa que ocupam entre si, bem como a grande altura que se acham acima do rio, fazem com que seja este um dos lugares mais pitorescos do Rio S. Francisco.

Terreno cretáceo no Morro do Chaves, Propriá_SE. Foto Marc Ferrez, 1875.

À distância de 2 km desta vila está a Serra do Pão de Açúcar, extremamente fértil, e de altura de 600 metros, formada de rochas de gneiss (iii) silicoso, de idade antiquíssima.

De Pão de Açúcar para diante o vale do rio é muito profundo, as rochas sólidas em ambas as margens, elevando-se a altura de 60 a 80 metros. A vegetação aí desaparece completamente; a topografia é sempre diferente e peculiar.

Piranhas é o nome de uma pequena povoação edificada sobre bancos de areia e cascalho, semi-cercada de morros compostos de gneiss.

Não sendo o rio navegável nem por canoas de Piranhas para a Cachoeira, a jornada é feita por terra (14 léguas).

No lugar denominado Olhos D’Água (iv), 4 léguas além de Piranhas e 185 metros acima da mesma, existem serra e morros compostos de sandstone, cuja idade, não se tendo encontrado fósseis, não pode ser determinada imediatamente.

No riacho do Talhado, 7 léguas aquém da Cachoeira, aparecem as mesmas rochas sandstone, com camadas de diversas cores: branca, amarela, vermelha e roxa.

A direção geral destas camadas é 50º SO e a inclinação, se não me fala a memória, 24º NE.

Junto às camadas inferiores existe uma cavidade pouco profunda, mas bastante longa, de cuja abóbada desprende-se quantidade de magníficos stalactites e, no chão, os correspondentes stalagmites, muitas vezes de altura de dois metros.

Cerca de 4 quilômetros acima deste lugar encontra-se, nas rochas, muitas figuras grotescas feitas pelos indígenas. O professor Hartt, tendo feito estudo especial e já publicado uma obra sobre a arqueologia brasileira, não deixou escapar essa grande curiosidade, mandando tirar fotografias dos que se achavam mais

Parte da Serra Grande do Pão de Assucar. Foto Marc Ferrez, 1875.

conservados, e fazendo desenhos dos outros.

De Piranhas para a Cachoeira não há vegetação alguma, os terrenos são áridos e o sol ardentíssimo: tivemos ocasião de observar por diversas vezes 95º e 100º Fath (v), na sombra.

Há diversos cactos, ente os quais abunda mais uma espécie de cercus chiquechique (Atalia funifera) e um melocactus-palmatoria variedades de Opuntias.

Na Cachoeira de Paulo Afonso, as rochas são compostas de gneiss com veios de granito. A geologia statigráfica dessa região é extremamente difícil.

Por enquanto, não é possível dizer com exatidão sua formação geológica; o Professor crê que seja archeana (vi) ou paleozoica (vii) e provavelmente da mesma idade das montanhas de gneiss das vizinhanças do Rio de Janeiro.

A Cachoeira de Paulo Afonso, conquanto de volume d’água muito menor que a do Niagara e talvez mesmo de forma muito menos bonita, não é inferior àquela.

Há, na brasileira, mais variedades de cascatas, e sua altura 79,8 m (triangulações e observações barométricas feitas ali) é muito superior à americana, que só tem 53,3 m.

Na Cachoeira e proximidades, o rio é muito estreito e sinuoso; 500 metros depois da última cascata ele forma um ângulo reto, aproximadamente. A água espumosa precipitando-se contra os rochedos, vai bater de encontro ao banco do rio. Aí a água em o lado esquerdo do lugar do contrato não encontrado passagem livre, fica em moção constante, como as ondas do mar. Deste constante movimento, resultou a formação de uma enseada, e, como quer Halfeld, de uma furna que ali existe e cujas dimensões são: comprimento 97 metros, largura 12 e 13 metros, altura na entrada 30 metros mais ou menos.

Villa de Piranhas olhando – se rio abaixo. Foto Marc Ferrez, 1875.

Nessa furna, habitação de morcegos, vê-se uma grande fenda em toda a sua extensão, o que faz crer que a existência da caverna é devido a ela; e esta a decomposição do spatho calcário junto aos veios de granito.

Junto à Cachoeira, as rochas são muito lustrosas e pretas, sendo esta cor produzida pelo manganês depositado pela água.

Nas estações chuvosas o rio, segundo o que pudemos observar, sobe à altura de 12 metros acima do nível em que se achava.

A 15 quilômetros da cachoeira, não sendo muita a correnteza aí, conseguimos atravessar o rio e visitamos então a Serra do Retiro, na Bahia, ponto terminal de nossa viagem. Essa serra, que se acha a 270 metros acima do nível do rio, é composta de rochas de sandstone e provavelmente da mesma idade que as serras dos Olhos D’Água e Talhado.

Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1875.

E. F. Pacheco Jordão.

Notas e referências do autor 

Jornal do Recife, 17 de fevereiro de 1876.
http://memoria.bn.br/DocReader/705110/11487

O Dr. Elias Fausto Pacheco Jordão nasceu em São João do Rio Claro (SP), a 18 de fevereiro de 1849. Era filho de José Elias Pacheco Jordão e de Marcolina da Silva Prado Jordão. Seu pai foi Deputado Provincial em São Paulo.

Após o curso primário em Rio Claro, matriculou-se no Seminário Episcopal, na capital paulista, mas não se adaptou ao clima e mudou-se para Itu. Residiu um breve período no Rio de Janeiro e mais uma vez voltou para Itu, onde estabeleceu uma casa de comércio. Para completar os estudos superiores, viajou para os Estados Unidos e formou-se em Engenharia Civil na Universidade de Cornell, em 2 de julho de 1874. Fonte: CPDOC, Fundação Getúlio Vargas. Foi o primeiro brasileiro a estudar Engenharia Civil na Universidade de Cornell, onde se doutorou em 1874, no mesmo ano do doutoramento de Orville Derby.

Elias Fausto Pacheco Jordão, que também foi Deputado Federal por São Paulo, faleceu em Paris, no dia 26 de março de 1901.

Em1875, ele integrou a Comissão Geológica, chefiada pelo canadense (naturalizado americano) Charles Frederick Hartt. (ver http://blogdoetevaldo.blogspot.com/2018/06/o-baixo-sao-francisco-na-rota-da_0.html)

i – Nasceu a 23 de agosto de 1840, em Fredericton, Canadá. Faleceu a 8 de março de 1878, no Rio de Janeiro.

ii – Arenito

iii – Gnaisse

iv – Atual Olho D’Água do Casado, Estado de Alagoas.

v – Fahrenheit, correspondente a 35 e 38 Celsius, respectivamente.

vi – Arqueana. Na escala de tempo geológico, o Arqueano, Arcaiqueano ou Arcaico é o éon que está compreendido aproximadamente entre há 3850 milhões de anos e 2500 milhões de anos. O éon Arqueano sucede o éon Hadeano e precede o éon Proterozoico. O início do Arqueano é marcado pelas primeiras formas de vida unicelulares da Terra. Éon significa um intervalo de tempo muito grande, indeterminado. A história da terra está dividida em quatro éons: Hadeano, Arqueano, Proterozoico e Fanerozoico.

vii – Na escala de tempo geológico, o Paleozoico é a era do éon Fanerozoico que está compreendida entre há 542 milhões e 251 milhões de anos, aproximadamente. A era Paleozoica sucede a era Neoproterozoico do éon Proterozoico e precede a era Mesozoica de seu éon.

NOTA:

Publicado originalmente no Blog do Etevaldo – História e Literatura
http://blogdoetevaldo.blogspot.com/2021/04/pacheco-jordao-em-breve-descricao.html

O autor

Etevaldo Alves Amorim (Campinas-SP, 29/07/1957). Engenheiro Agrônomo, tem várias obras publicadas: Pão de Açúcar – Cem Anos de Poesia – Coletânea, Maceió: ECOS Gráfica Editora, 1999 (org.); Terra do Sol – Espelho da Lua, Maceió: ECOS, 2004; Freitas Machado: Vida e Obra, Maceió: EDUFAL, 2011. Publicação em periódico: Braúlio x Brayner: A Pena e a Espada, in Revista do Arquivo Público de Alagoas, Maceió: Arquivo Público de Alagoas, ano 2, n. 2, 2012, p. 127-152. Mantenedor do Blog do Etevaldo – História e Literatura: www.blogdoetevaldo.blogspot.com.

Imagem em destaque – Foto de Marc Ferrez. IMS.

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