ANÁLISE

por CARLOS EDUARDO RIBEIRO JUNIOR | SEXTA-FEIRA – 12 DE JUNHO DE 2020

Mesmo com avanços consideráveis na tecnologia da informação, que pode contribuir para facilitar as relações entre a sociedade e o Estado e seus entes, o setor elétrico é refratário à espontânea divulgação de dados importantes como os operacionais instantâneos de barramentos como Xingó, conhecimento essencial para populações a jusante das usinas, que se vêem, aquelas, numa busca surreal e fatigante para garantir direitos claros

Para quem começa esta leitura, um aviso preventivo: o texto é longo pois tínhamos que expor, com detalhes, a peleja para a busca do óbvio. Sem a íntegra das atribulações não haveria como apresentar a realidade do desequilíbrio de forças entre um sistema que se apresenta como democrático e participativo – na questão da gestão das águas e território do São Francisco – e no entanto impõe água ruim para moradores das margens do grande rio.

Este artigo ou análise, poderia ser qualificado como um mini-diário de mais  uma busca( das dezenas e dezenas de demandas via E-Sic já realizadas) por algo simples que, de forma injusta na grande maioria dos casos, obriga o cidadão a se enfronhar, para não se engalfinhar, em terrenos de legislação, bases técnicas as mais variadas, pesquisas históricas, organização da palavra a montagem de textos consistentes para chegar ao seu objetivo.

Viver abaixo de uma barragem, tem seus inúmeros riscos, há um difícil cotidiano cara a cara com a detonação de nossos lugares – algo que não é muito bem compreendido por pessoas que passam por estar brenhas ao exclamar “mas vocês reclamam de que, nesse paraíso?” –  e também tem o componente da fatigante, difícil e muitas vezes provocadora de iras ou tristezas que é a busca por direitos básicos, em situações de conflitos diários com prefeituras, estados e com a União.

Em uma região onde todas as instâncias públicas são vacantes ao extremo, é um panorama particularmente fatigante, a busca por informações públicas de órgãos diversos. Estes ao invés de atenderem com naturalidade demandas por itens e/ou documentos que por alguma razão não estão em seus acervos de dados e informações, criam inúteis e irritantes barreiras que, de algum modo serão derrubadas (algum dia).  A busca de maiores informações no caso das hidrelétricas não é diferente, se estão sendo procurados maiores detalhes de suas operações.

AS OPERAÇÕES DE XINGÓ E O BAIXO SÃO FRANCISCO

A hidrelétrica de Xingó entrou em operação no ano de 1994 e desde então seu passivo socioambiental (e os inúmeros conflitos advindos) agregado ao que o Baixo São Francisco já suporta desde a construção de Sobradinho (e demais barramentos) não para de aumentar. Os oito barramentos na calha principal do rio São Francisco (Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Moxotó, quatro no complexo Paulo Afonso e Xingó) estabeleceram um sistema operacional predatório que, comprovadamente, estão a destruir o rio, além de promoverem a degradação de vidas de milhares de pessoas de populações ribeirinhas.

Um exemplo de vazão modulada (em fevereiro de 2020) elaborado pelo ONS – Operador Nacional do Sistema. ONS

Temos que entender que, as mudanças cruciais na dinâmica hidrológica do São Francisco em seu trecho baixo têm seu marco-base com a construção da UHE Sobradinho, no final da década de 1970, com a supressão intencional dos ciclos naturais das benfazejas cheias em todo o Baixo São Francisco. Os barramentos subsequentes, além da polêmica transposição das águas do Velho Chico para o nordeste setentrional, sob o impositivo controle do sistema elétrico  orquestrado pelo ONS – Operador Nacional do Sistema, operam (sob o controle da CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) num ambiente institucional onde o direito à água para seres humanos e para o meio ambiente são elementos secundários em nome de uma chamada “segurança hídrica’ , qualificação que é indiscutivelmente derrubada pela situação crítica vivida pelas populações (e biota aquática e terrestre que depende do rio) que amargam águas infestadas por organismos invasores (algas e vegetação aquática exótica, principalmente, além de moluscos como o mexilhão dourado) comprometendo o acesso ao líquido.

Nesse panorama, o dia a dia das pessoas que vivem às margens do rio entre a UHE Xingó e a foz é ditado pela operação particular desta barragem que, a partir da vazão defluente disponibilizada por Sobradinho e Itaparica, funciona provocando um regime de “marés” diárias ou horárias, de acordo com as determinações do já citado ONS. Tais variações podem ter grandes amplitudes, de acordo com as “vazões médias” igualmente estabelecidas pelo ONS (e hoje garantidas por autorizações especiais emitidas pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis a partir de 2013 estando em vigor a de no. 012/2017 que permite a vazão mínima de 550 m³/s – quinhentos e cinquenta metros cúbicos por segundo – sem qualquer reação por parte da sociedade, municípios, estados e órgãos da gestão das águas) num modelo chamado pelo setor elétrico de vazões moduladas.

Em resumo, as operações de Xingó promovem grandes variações no espelho d’água (marés artificiais) causando danos ambientais de monta, destruição da paisagem, transformação da linha d’água (entre o espelho e a atual zona do leito do rio exposto), impedimentos à navegação, acesso ao rio e, principalmente, acesso à água de qualidade.

FALTAM INFORMAÇÕES (E ACESSO ÀS MESMAS) SOBRE AS VAZÕES HORÁRIAS (INSTANTÂNEAS) DE XINGÓ

Mirando o literal vai-e-vem da água, há anos, sempre ficou evidente a falta de informações sobre os valores (instantâneos, no momento da observação aproximadamente) das vazões praticadas por Xingó, posto que tais dados são hoje fornecidos apenas após os eventos no espaço Gestão de Recursos Hídricos (no sítio eletrônico da CHESF).

Fig. 1 – Dados da operação de Xingó (colhidos em 10/06/2020). Via CHESF

Um outro ponto interessante, e após mais de vinte anos de observações das variações e comparações com os dados disponibilizados (no presente, unicamente pela ANA – Agência Nacional de Águas ou pela própria CHESF), é a constatação de algumas discrepâncias entre as vazões fornecidas pelas tabelas oficiais e as variações verificadas em particular na região do povoado Mato da Onça onde hoje a Canoa de Tolda realiza a gestão da Reserva Mato da Onça, uma das seis Unidades de Conservação (dentre estaduais, federais e municipal) às margens do rio. Através de processos simples de relação entre a variação registrada e os dados fornecidos, foi possível estabelecer uma regra simples, razoavelmente precisa de que para cada 100 m³/s a variação da lâmina d’água (nível da água) é de cerca de 200 mm.

No entanto, pelas perturbações causadas pelas operações da UHE Xingó, a necessidade de acesso aos valores instantâneos da operação do barramento se verificou essencial para que fosse possível a comprovação e acompanhamento das defluências reais (do barramento).

INFORMAÇÕES SOBRE AS OPERAÇÕES DA BARRAGEM: DIREITO POPULAR

Essa necessidade (e intenção de obtenção dos dados) está embasada na (relativamente recente) Lei 12.527/2011, a chamada Lei de Acesso à Informação e na óbvia constatação de que os dados existem, pelo fato de serem essenciais para a operação do barramento.

Resumindo: é direito inequívoco destas populações do Baixo São Francisco, situadas abaixo da UHE Xingó (sobretudo em um país onde há um histórico lamentável de problemas relacionados à segurança de barragens), terem o conhecimento, a qualquer momento, das informações relacionadas às vazões instantâneas praticadas (não confundir com a vazão de entrega final, na foz, ao oceano Atlântico).

A PRODUÇÃO DOS DADOS HOJE DISPONÍVEIS

Com o conhecimento da existência dos dados relativos à hidrologia do São Francisco, como os mesmos, no presente, são produzidos e/ou divulgados para a sociedade de forma, digamos, espontânea, pelos entes que gerem e/ou operam o sistema das águas do rio?

Temos, atualmente, acessíveis, os dados da ANA – Agência Nacional de Águas (através da Sala de Situação, com dados da bacia do São Francisco, ou do espaço Telemetria); da CHESF (espaço Gestão de Recursos Hídricos) e também do próprio ONS (com os dados de capacidade de água armazenada pelos reservatórios, diretamente relacionados com o ‘estoque” de energia em todo o SIN – Sistema Integrado Nacional).

No caso do Baixo São Francisco, nos interessam os dados fornecidos pela ANA e pela CHESF, a saber, as vazões em vigor em Xingó (e na foz do rio).
Para a produção dos dados, tanto a ANA como a CHESF contam com uma rede de estações fluviométricas que colhem ao longo do dia, permanentemente, as variações dos parâmetros principais que formam a base de análise do comportamento hidrológico: variação do nível do rio, vazão e índice pluviométrico (este último, pois havendo chuvas na região, e de acordo com o volume da ocorrência, há a possibilidade de acréscimo de contribuição da parte dos inúmeros afluentes do São Francisco, inclusive aqueles intermitentes, produzindo os chamados “incrementos” na vazão).

Essa rede é acessada através da Telemetria (no site da ANA) que conduz ao SNIRH – Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos. Ali, temos todas as estações existentes no Brasil, que podem ser selecionadas através da bacia hidrográfica ou pelos seu nome. Neste espaço é possível a obtenção, via gráficos, das vazões quase que instantâneas medidas em cada estação.

Veja abaixo animação das variações de vazões horárias na Estação Propriá

Na imagem abaixo, já no espaço do SNIRH, vemos a rede de estações ao longo do Baixo, a jusante de Xingó sendo que é de nosso interesse prioritário a estação Xingó Barramento (está marcada na imagem).

Porém, aqui no Baixo, há um problema no sistema disponível: apenas uma das estações de Propriá (também marcadas na imagem) fornece, para todo o Baixo São Francisco, os dados de vazão (observar que no acesso em 10/06/2020 a estação de Propriá citada, apesar de status ATIVA, não estava fornecendo os dados de vazão). A estação Propriá, se queremos, de fato, conhecer a situação instantânea de Xingó, não é adequada e a explicação é muito simples: o ponto de medição (a cerca de 139 km de Xingó e a 70 km da foz) sofre a interferência de aportes incrementais de outros cursos de água (como o rio Ipanema que, inclusive, há alguns meses criou uma interessante situação de pico de vazão em Propriá como resultado de cheia provocada por fortes chuvas em Pernambuco) NÃO refletindo, a vazão instantânea em Xingó – além disso, os efeitos da água liberada em Xingó levam várias horas para possível medição pelos sensores existentes em Propriá.

As estações disponíveis no Baixo São Francisco. Apenas Propriá fornece dados de vazão instantânea. SNIRH

Voltando à estação existente em Xingó e listada no site do SNIRH (Xingó Barramento): mesmo sob o status ATIVA, não fornece (apesar da existência da opção de demanda), os dados da vazão. Isso é um problema que afeta, diretamente, o conhecimento de como está sendo realizada a operação acima de nossas cabeças.

Estação Xingó Barramento. Ativa, porém sem a opção de gráficos ou dados para vazão. SNIRH

Avançando um pouco mais. Mencionamos acima que também a CHESF produz e disponibiliza informações sobre as vazões de Xingó. É fato, porém dentro de um padrão que cria um outro problema (formando, junto com o caso das estações de Xingó e Propriá, uma zona parda quando às vazões instantâneas da barragem no Baixo São Francisco): os dados fornecidos são de operações passadas e não instantâneas.

Dados de vazão de Xingó (colhidos dia 10/06/2020). CHESF

Finalizando a descrição passo a passo da situação chave: o que se busca é o acesso à(s) fonte(s) que fornece(m) o valor exato, instantâneo, da vazão praticada na operação da UHE Xingó, a partir da constatação de que ambos os sistemas (o da ANA e o da CHESF) não atendem a uma necessidade absolutamente procedente e coerente da parte de uma grande população que vive (e já vivia antes das barragens) a jusante do barramento.

EM BUSCA DAS [ DESNECESSARIAMENTE DIFÍCEIS] INFORMAÇÕES

Acreditamos que o tempo de todos nós é precioso (e tudo é urgente) nesta diária e desgastante disputa com o poder público para fazer valer um tratamento obrigatório de respeito e de cumprimento de suas atribuições.

Assim, já conhecedores da demora e insucessos de solicitações formais através de ofícios (não desmerecendo a importância dos mesmos, sobretudo quando há sistemas de protocolos nos órgãos), foi tomada a decisão de acionar o E-Sic em 17 de abril, pois precisamos, a qualquer momento, de acesso aos dados da vazão instantânea em Xingó.

O processo está em curso e sob o prazo legal para a CGU fazer a apreciação e emitir o seu parecer (até a finalização deste artigo sem deliberação final por parte do órgão).

Acompanhe abaixo, na íntegra, as diversas alegações e réplicas ao longo do rito do processo via a plataforma E-Sic.

A SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÃO VIA E-SIC

O sistema E-Sic foi acessado e aplicada a demanda abaixo:

Acesso à(s) fonte(s) de dado(s) que forneça(m) a vazão instantânea defluente da UHE Xingó (estação barramento código 49340080)

O sistema gerou o pedido no. 99908000237202096.

Em 24 de abril, sempre através do sistema E-Sic, foi recebida a resposta da CHESF:

“Em atendimento à sua solicitação, referente às vazões defluentes instantâneas do Reservatório de Xingó, informamos que diariamente, são disponibilizados no site da Chesf os dados de defluência horária da UHE Xingó dos últimos 5 dias, os quais se encontram no Portal Chesf, conforme endereço eletrônico a seguir:  http://www.chesf.gov.br/SistemaChesf/Pages/GestaoRecursosHidricos/GestaoRecursosHidricos.aspx. “

Resposta que mereceu, de imediato, sucinta análise: A mesma não atende ao que foi solicitado, pois o link fornecido NÃO fornece vazão instantânea (consideração especificada na demanda). Apenas vazões já passadas.

Assim concluído, insistimos na importância do acompanhamento no momento da observação para o cruzamento com as outras fontes de dados e o que se observa nas variações da lâmina d’água. Portanto, seria realizado o primeiro recurso, como apresentado abaixo.

CAPÍTULO 02 – O PRIMEIRO RECURSO

Seguindo as regras do E-Sic, foi feito o 1º. recurso que (sob o acompanhamento da CGU) é direcionado para a parte demandada, a CHESF.

O texto integral do 1º. Recurso, protocolado em 27 de abril, segue abaixo:

“Considerando que:

1- O solicitante é entidade do grupo da sociedade civil organizada reconhecidamente com iniciativas e atividades voltadas para o interesse coletivo difuso das populações do trecho Baixo do Rio São Francisco a jusante da UHE Xingó;

2- Que são desconhecidas quaisquer ações e Plano de Ação Emergencial em caso de evento extremo (enchentes, situação de abertura e/ou falha de comportas na UHE Xingó de forma intempestiva por razões diversas) que favoreçam a segurança das populações a jusante do empreendimento;

3- Que pelo fato básico de estarem as populações do Baixo São Francisco à jusante de todo o sistema de barramentos que diretamente (em termos horários, diários, mensais, anuais) influem nas vazões e comportamento do trecho baixo do rio São Francisco deveriam ter políticas públicas prioritárias no que tange aos efeitos (impactos) das operações dos barramentos em suas vidas;

4- Que a operação dos barramentos, mesmo com regras, restrições e condicionantes, é, de forma explícita, determinada pelo setor elétrico a partir das determinações do ONS – Operador Nacional do Sistema;

5- Que, independente do supracitado no item 4, a CHESF é o ente principal, posto que operador dos barramentos, na relação entre a sociedade civil (populações do Baixo São Francisco) e o setor elétrico que opera o São Francisco;

6- Que são falhos, insuficientes os canais de comunicação (relação) entre a empresa CHESF e as populações ribeirinhas a jusante da UHE Xingó, em particular aquelas difusas;

7- Que a lei 12.527 de 2011 garante o acesso à informação por parte dos cidadãos brasileiros;

8- Que pelas colocações supracitadas, qualquer cidadão, em particular aquele que vive no Baixo São Francisco, em região ribeirinha, por interesses óbvios resultantes do impacto das operações de barramentos na região, inclusive a segurança coletiva das populações, tem a necessidade basilar de conhecer, a qualquer momento, as condições operativas da UHE Xingó (defluências instantâneas);

9- Que no site do SNIRH ( http://www.snirh.gov.br/hidrotelemetria/Mapa.aspx ), apenas a estação Propriá (status ativa) 49705000 está fornecendo dados de vazão;

10- Que no site SNIRH (supracitado itm 9) a estação Xingó Barramento ( 49340080 ) está ativa, porém NÂO fornece dados de vazão;

11 – Que a situação supracitada no item 10 é objeto de inúmeras manifestações desta entidade junto à ANA – Agência Nacional de Águas, para que de forma definitiva encontre solução para que tenhamos acesso aos dados de vazão da estação Xingó Barramento;

12 – Que pelas interferências naturais de aportes ao longo do percurso, as informações geradas pela estação Propriá supracitada não espelham, efetivamente as condições de vazão instantânea no barramento da UHE Xingó;

13- Que por razões óbvias de operação do sistema, e da UHE Xingó, é condição básica da citada operação, o conhecimento, por parte dos operadores, da defluência instantânea da barragem;

14- Que a resposta produzida pela CHESF se resume ao encaminhamento a um site onde os dados expostos são situações pretéritas e não instantâneas; Reiteramos que é imprescindível que a sociedade das populações do Baixo São Francisco tenham acesso, a qualquer momento, do dia ou da noite, às vazões instantâneas no mínimo no mesmo padrão de apresentação que é fornecido pela estação Propriá, citada no item 9 acima.

Portanto, encaminhamos o recurso pela observação de que o pleito da demanda: “Acesso à(s) fonte(s) de dado(s) que forneça(m) a vazão instantânea defluente da UHE Xingó (barramento código 49340080)” não foi atendido.

Novamente reiteramos a necessidade, de que a qualquer momento sejam conhecidas as vazões instantâneas da UHE Xingó NO BARRAMENTO. “

Dois dias depois, em 29 de abril, temos a resposta da CHESF que segue:

Resposta CHESF via E-Sic. E-Sic

CAPÍTULO 03 – O SEGUNDO RECURSO

Sempre seguindo o rito do E-Sic e dentro do prazo legal, foi realizado Recurso em 2ª. Instância dia 11 de maio, onde foi apresentado:

“Em seguida ao recurso em 1ª. Instância, temos a dizer que, por razões desconhecidas, sem necessidade, a demandada permanece refratária ao positivo e necessário fornecimento do acesso às informações solicitadas.

E, considerando que:
1- A CHESF, ao mencionar que “no que diz respeito às vazões defluentes horárias em tempo real, informamos que há solicitação da Agência Nacional de Águas -ANA para disponibilização dos referidos dados no portal do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos – SINRH. Para tanto, a Agência nos comunicou que pretende acrescentar esta demanda no processo de revisão da Resolução ANEEL/ANA Nº 03/2010. Desta forma, faremos as adequações necessárias nos sistemas da Companhia para que a demanda seja atendida através do que for estabelecido na referida resolução.”, fica claro que o fornecimento das informações, de interesse público, tecnicamente, não sofre de qualquer empecilho e que as mesmas já deveriam, assim como no posto telemétrico em Propriá, estar acessíveis;

2- A referida resolução ANEEL/ANA 03/2010 supracitada no item 1 é um ato administrativo e sua edição não se sobrepõe à LAI – Lei de Acesso à Informação ( Lei 12.527/2011) ;

3- A referida tratativa entre a ANEEL e a ANA, citada pela CHESF conforme o item 1 acima, é um tema próprio entre as agências e sem qualquer relação com a demanda apresentada pela sociedade em geral, como no presente caso;

4- As informações sobre operações de barramentos são de notório interesse público e particularmente no caso das populações que habitam o trecho baixo do rio São Francisco a jusante da UHE Xingó e se revestem ainda, do interesse relacionado à segurança das referidas populações;
5- As informações diretamente vinculadas às da UHE Xingó, promovem influência, diária, horária, com suas chamadas “vazões moduladas”, nas vidas das populações ribeirinhas do Baixo São Francisco, sendo, portanto, de inquestionável interesse extremo por parte das mesmas;
6- Em 06/01/2018 ocorreu um evento atípico na UHE Xingó, quando por um problema de sistema de comando de comportas houve um aumento repentino e inesperado da vazão em poucas horas, evento que deve ser utilizado como alerta e que confere, aos moradores a jusante do barramento, maior e permanente necessidade de conhecimento e acompanhamento instantâneo, a qualquer momento, das vazões praticadas na citada UHE Xingó;

7- Em complemento ao item 6 acima, cite-se que são desconhecidas quaisquer ações e Plano de Ação Emergencial em caso de evento extremo (enchentes, situação de abertura e/ou falha de comportas na UHE Xingó de forma intempestiva por razões diversas) que favoreçam a segurança das populações a jusante do empreendimento;

8- (reiterando) Que são falhos, rarefeitos, insuficientes os canais de comunicação (relação) entre a empresa CHESF e as populações ribeirinhas a jusante da UHE Xingó, em particular aquelas difusas;

9- (reiterando) Que pelas colocações supracitadas, qualquer cidadão, em particular aquele que vive no Baixo São Francisco, em região ribeirinha, por interesses óbvios resultantes do impacto das operações de barramentos na região, inclusive a segurança coletiva das populações, tem a necessidade basilar de conhecer, a qualquer momento, as condições operativas da UHE Xingó (defluências instantâneas);

10- (reiterando) Que no site do SNIRH ( http://www.snirh.gov.br/hidrotelemetria/Mapa.aspx ), apenas a estação Propriá (status ativa) 49705000 está fornecendo dados de vazão;

11- A CHESF, ao recolocar que “ratificamos que diariamente são disponibilizados os dados de defluência horária da UHE Xingó dos últimos 5 dias, os quais se encontram em nosso portal:  http://www.chesf.gov.br/SistemaChesf/Pages/GestaoRecursosHidricos/GestaoRecursosHidricos.aspx.” insiste no desvio do objeto da demanda que trata de acesso às vazões instantâneas defluentes no barramento UHE Xingó;

12- Que pela relevância e pela urgência da demanda, não cabe à população à jusante da UHE Xingó, permanecer no aguardo de um (possível) ajuste de ato administrativo entre a ANEEL e a ANA (a questão da resolução 03/2010 supracitada) que oferece conforto ao setor elétrico em detrimento de atendimento à transparência de informações tão significativas;

13- Reiteramos que é imprescindível que a sociedade das populações do Baixo São Francisco tenham acesso, a qualquer momento, do dia ou da noite, às vazões instantâneas da UHE Xingó NO BARRAMENTO.

Portanto, encaminhamos este segundo recurso pela observação de que o pleito da demanda: “Acesso à(s) fonte(s) de dado(s) que forneça(m) a vazão instantânea defluente da UHE Xingó (barramento código 49340080)” não foi atendido.

Finalmente, responde a CHESF ao segundo recurso (em 15 de maio):

“Senhor(a), boa tarde.
Em resposta a seu pedido de informação Protocolo SIC N – [99908.000237/2020-96], ratificamos que os dados de defluência horária da UHE de Xingó estão sendo disponibilizados, diariamente, para a sociedade em nosso Portal Corporativo. Portanto, consideramos que a informação está sendo prestada.

Ressaltamos que o atendimento ao seu pleito para disponibilização de dados de defluência de uma UHE em tempo real, requer implementações de ordem técnica que viabilizem seu atendimento. Desta forma, conforme já informado, seu pleito deverá ser atendido, porém, no espaço de tempo em que seja viável adotar todas as providências necessárias para tanto, que poderá requerer, inclusive, contratação e implantação de ajustes no sistema de controle, cumprindo o rito legal ao qual a Chesf está sujeita, como integrante da Administração Pública Indireta, estabelecido pela Lei nº 13.303/2016 e pelo Regulamento de Licitação e Contratos do Grupo Eletrobras.”

Resposta CHESF via E-Sic. E-Sic

Considerando como fundamental a sacramentação da citação, pela CHESF, de que “seu pleito deverá ser atendido”, sempre seguindo as regras, optou-se pela aplicação do Recurso em 3a. instância, desta vez diretamente para a CGU, conforme as alegações abaixo (protocolado no dia 27 de maio):

CAPÍTULO 04 – O TERCEIRO RECURSO, PARA A CGU

No formulário disponível no sistema, foi feita a alegação:

“1- DA DEMANDA – Foi feita, à CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, a demanda, através do indispensável sistema E-Sic:

“Acesso à(s) fonte(s) de dado(s) que forneça(m) a vazão instantânea defluente da UHE Xingó (barramento código 49340080)”

A supracitada demanda, foi respondida inicialmente com:

“Em atendimento à sua solicitação, referente às vazões defluentes instantâneas do Reservatório de Xingó, informamos que diariamente, são disponibilizados no site da Chesf os dados de defluência horária da UHE Xingó dos últimos 5 dias, os quais se encontram no Portal Chesf, conforme endereço eletrônico a seguir:  http://www.chesf.gov.br/SistemaChesf/Pages/GestaoRecursosHidricos/GestaoRecursosHidricos.aspx.  “

2- RECURSO 01 – Resposta que não atendeu ao solicitado e gerou, segundo as regras do sistema E-Sic, o primeiro de dois recursos onde a demandada replicou:

“Em atendimento à sua solicitação, referente ao acesso às vazões defluentes instantâneas do Reservatório de Xingó, ratificamos que diariamente são disponibilizados os dados de defluência horária da UHE Xingó dos últimos 5 dias, os quais se encontram em nosso portal:  http://www.chesf.gov.br/SistemaChesf/Pages/GestaoRecursosHidricos/GestaoRecursosHidricos.aspx.
No que diz respeito às vazões defluentes horárias em tempo real, informamos que há solicitação da Agência Nacional de Águas -ANA para disponibilização dos referidos dados no portal do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos – SINRH. Para tanto, a Agência nos comunicou que pretende acrescentar esta demanda no processo de revisão da Resolução ANEEL/ANA Nº 03/2010. Desta forma, faremos as adequações necessárias nos sistemas da Companhia para que a demanda seja atendida através do que for estabelecido na referida resolução.”

3- RECURSO 02 – Observando que a demanda prosseguia sem atendimento, a demandante encaminhou segundo recurso cuja réplica por parte da CHESF foi:
“…ratificamos que os dados de defluência horária da UHE de Xingó estão sendo disponibilizados, diariamente, para a sociedade em nosso Portal Corporativo. Portanto, consideramos que a informação está sendo prestada.
Ressaltamos que o atendimento ao seu pleito para disponibilização de dados de defluência de uma UHE em tempo real, requer implementações de ordem técnica que viabilizem seu atendimento. Desta forma, conforme já informado, seu pleito deverá ser atendido, porém, no espaço de tempo em que seja viável adotar todas as providências necessárias para tanto, que poderá requerer, inclusive, contratação e implantação de ajustes no sistema de controle, cumprindo o rito legal ao qual a Chesf está sujeita, como integrante da Administração Pública Indireta, estabelecido pela Lei nº 13.303/2016 e pelo Regulamento de Licitação e Contratos do Grupo Eletrobras.”
Observando que, nesta resposta:
a) Permanece entendimento unilateral de que a informação originalmente solicitada “a vazão instantânea defluente da UHE Xingó (barramento código 49340080)” é prestada;

b) Há uma positiva sinalização de que “pleito deverá ser atendido”

4- ENCAMINHAMENTO FINAL – E ratificando que:

1- A CHESF, em resposta anterior, ao mencionar que “no que diz respeito às vazões defluentes horárias em tempo real, informamos que há solicitação da Agência Nacional de Águas -ANA para disponibilização dos referidos dados no portal do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos – SINRH. Para tanto, a Agência nos comunicou que pretende acrescentar esta demanda no processo de revisão da Resolução ANEEL/ANA Nº 03/2010. Desta forma, faremos as adequações necessárias nos sistemas da Companhia para que a demanda seja atendida através do que for estabelecido na referida resolução.”, demonstra que o fornecimento das informações, de interesse público, tecnicamente, não sofre de qualquer empecilho e que as mesmas já deveriam, assim como no posto telemétrico em Propriá, estar acessíveis;

2- A referida resolução ANEEL/ANA 03/2010 supracitada no item 1 é um ato administrativo e sua edição não se sobrepõe à LAI – Lei de Acesso à Informação ( Lei 12.527/2011) ;

3- A referida tratativa entre a ANEEL e a ANA, citada pela CHESF conforme o item 1 acima, é um tema próprio entre as agências e sem qualquer relação com a demanda apresentada pela sociedade em geral, como no presente caso;

4- As informações diretamente vinculadas às da UHE Xingó, promovem influência, diária, horária, com suas chamadas “vazões moduladas”, nas vidas das populações ribeirinhas do Baixo São Francisco, sendo, portanto, de inquestionável interesse extremo por parte das mesmas;

5- Em 06/01/2018 ocorreu um evento atípico na UHE Xingó, quando por um problema de sistema de comando de comportas houve um aumento repentino e inesperado da vazão em poucas horas, evento que deve ser utilizado como alerta e que confere, aos moradores a jusante do barramento, maior e permanente necessidade de conhecimento e acompanhamento instantâneo, a qualquer momento, das vazões praticadas na citada UHE Xingó;

6- Em complemento ao item 5 acima, cite-se que são desconhecidas quaisquer ações e Plano de Ação Emergencial em caso de evento extremo (enchentes, situação de abertura e/ou falha de comportas na UHE Xingó de forma intempestiva por razões diversas) que favoreçam a segurança das populações a jusante do empreendimento;

7- (ratificando) Que, infelizmente, são falhos, rarefeitos, insuficientes os canais de comunicação (relação) entre a empresa CHESF e as populações ribeirinhas a jusante da UHE Xingó, em particular aquelas difusas;

8- Que pela relevância e pela urgência da demanda, não cabe à população à jusante da UHE Xingó, permanecer no aguardo de um (possível) ajuste de ato administrativo entre a ANEEL e a ANA (a questão da resolução 03/2010 supracitada) que oferece conforto ao setor elétrico em detrimento de atendimento à transparência de informações tão significativas;

E considerando que:

1- O item a (3. Recurso 02) acima não se configura, por serem informações referentes à vazões pretéritas e não instantâneas (apenas a estação Propriá (status ativa) 49705000 está fornecendo dados de vazão ( http://www.snirh.gov.br/hidrotelemetria/Mapa.aspx ) ;

2- O item b (3. Recurso 02) é positivo, porém devendo observar que, na língua portuguesa, a expressão “deverá” é consideravelmente distinta de “será” posto que aquela não oferece ou indica a formalização de tomada de procedimentos que estabeleçam, período temporal, prazos, datas, que, de forma assegurem o compromisso de forma precisa;

3- O objeto da demanda, por ser revestido de óbvio, necessário, essencial e inalienável interesse público, sobretudo para populações a jusante de barramentos, deveria ser um procedimento natural e espontâneo de todos e quaisquer operadores de tais empreendimentos e inserido como cláusula nas condicionantes de licenças de operação e não tendo origem no fatigante e injusto, muitas vezes, exercício de proteção a direitos cidadãos que deveria ser uma excepcionalidade e não uma quase regra cotidiana;

4- O objeto da demanda está diretamente relacionado à segurança das supracitadas (item 3) populações;
Concluindo que:

1- pelas considerações e ratificações supracitadas, qualquer cidadão, em particular aquele que vive no Baixo São Francisco, em região ribeirinha, por interesses óbvios resultantes do impacto das operações de barramentos na região, inclusive a segurança coletiva das populações, tem a necessidade basilar de conhecer, a qualquer momento, as condições operativas da UHE Xingó (defluências instantâneas);
2- é imprescindível que as populações do Baixo São Francisco tenham acesso, de forma garantida, no mais breve espaço de tempo (reconhecendo, naturalmente, os impedimentos excepcionais causados pela pandemia da Covid-19) a qualquer momento, do dia ou da noite, às vazões instantâneas da UHE Xingó NO BARRAMENTO.
3- Aceitamos a solução acordada, sem conflitos, com o estabelecimento de garantias formais de que o pleito será atendido. “

Fechando o (longo e desnecessário meandro criado pelo setor elétrico) ciclo de recursos, respondeu a CGU em 1º. De junho:

Resposta da CGU via E-Sic. E-Sic

Em tempo: recentemente, e por intervenção do MPF – Ministério Público Federal em Sergipe, a CHESF passou a disponibilizar um sistema simplificado de informações de operações de Xingó via SMS para celulares, gratuito. É positivo, porém tardio, considerando o tempo de operação de Xingó e ainda insuficiente. A população ribeirinha deve ter ainda muito mais atenção.

Fontes

ANA – Agência Nacional de Águas

CHESF – Centrais Hidro Elétricas do São Francisco

E-Sic

SNIRH – Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos

O autor

Carlos Eduardo Ribeiro Junior – Projetista e construtor naval, navegador e membro fundador da Canoa de Tolda. Co-gestor da Reserva Mato da Onça e editor da plataforma InfoSãoFrancisco.

Imagem em destaque – Ilustração por Daicê © 2020

O artigo não reflete, necessariamente, as opiniões do site que busca manter diversidade de idéias que contribuam para discussões construtivas voltadas para democratização da produção e do acesso à informação. Este espaço se propõe a disponibilizar espaço para articulistas, colaboradores cidadãos, com o objetivo de proporcionar a diversidade de debates sobre temas relacionados à bacia do São Francisco.