ARTIGO

por ANTONIO HELENO CALDAS LARANJEIRA | SEXTA-FEIRA – 05 DE JUNHO DE 2020

“Aparentemente não pudemos encontrar o que você está procurando”. O Geojornalismo é um termo irreconhecível pelo Google. Mesmo após 8 anos do primeiro portal de Geojornalismo ser lançado, criado por brasileiros, o maior site de buscas do mundo ainda não reconhece a nossa inovação científica.

A busca pelo geojornalismo… Fonte: Google

Tentemos ser menos críticos (ou “nem tão latino-americanos assim”): usando as aspas para pesquisar especificamente (“geojornalismo”) foi possível detectar os principais links sobre o tema. O primeiro deles é o “geojournalism” (1). O que aparenta estar “errado” nisso é que a busca por um termo originalmente criado em português, possui maior destaque e relevância em língua inglesa.

Isso envolve uma dupla questão de “valor” Linguístico e Computacional sobre o conceito de “código”. É questão de “código linguístico” porque apesar de terem sido brasileiros, falantes de português, os sujeitos que cunharam o termo Geojornalismo e todo movimento de práticas em torno desta nova palavra na gramática científica, o inglês foi a língua (ou código) capaz de mundializar o Geojornalismo. Mas também uma questão de “código computacional” afinal qualquer busca no Google é ditada por algorítimos que relacionam diversos valores operacionais da engenharia de buscas (SEO).

Entretanto, essas questões de “código” não excluem as problemáticas de “periferização da língua” portuguesa e nem os problemas da “colonização dos dados” no percurso de busca e acesso à palavra “Geojornalismo” no repositório mais famoso do mundo que afirma que: “Você quis dizer Jornalismo”, simplificando a capacidade de acesso a este conhecimento latino-americano produzido sobre o tema.

Voltando ao Google, podemos buscar e encontrar outros artigos editoriais sobre o “Geojornalismo” na Web, escritos por Gustavo Faleiros, diretor-executivo do InfoAmazonia e primeiro a cunhar essa palavra (em português), confirmada com esta análise netnográfica.

Mapa interativo do InfoAmazonia, relacionado à pandemia da Covid-19. Fonte: InfoAmazonia

O GEOJORNALISMO PARA AS CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO 

Sendo “cientista do discurso”, podemos afirmar, historicamente, que a episteme “Geojornalismo”, conforme cunhada pelo jornalista Gustavo Faleiros (2013, 2017), pode ser definido como uma vertente do Jornalismo que utiliza de dados geoespaciais para construção de narrativas.

Existem poucas pesquisas sobre o Geojornalismo, o que também faz do termo estranho ao “código” da produção nas Ciências da Comunicação. As buscas por “Geojournalism” e “Geoperiodismo” em um dos maiores repositórios científicos da Web, o Reseach Gate, dão conta de uma dissertação de mestrado do Brasil (2017) e dois artigos científicos do Brasil e da Espanha (2015, 2018) sobre o tema.

Nesta sintética (porém não simplificada) análise do estado da arte das práticas de Geojornalismo, podemos dizer que este processo jornalístico de envolver triplamente as mídias (texto, mapa, imagens de satélite), possui, em todo o mundo, dez sites se identificam com o “gênero” de acordo com o Earth Journalism Network (EJN).

O InfoSãoFrancisco é o décimo-primeiro “nó da rede”, portanto, o segundo na América Latina, portanto, o primeiro site-filho em português do site-mãe (o InfoAmazonia) que sustenta o discurso do “Geojornalismo”, seguindo uma “linha amazônica de produção em Jornalismo de Dados”, como podemos descrever o modus operandi que permitiu a exportação de um “modelo pós-industrial” criado, não por uma empresa, mas por uma “teia invisível” de ONGs e movimentos sociais.

A EXPORTAÇÃO DO GEOJORNALISMO

Apesar do InfoAmazonia ser originalmente criado por um jornalista de São Paulo com mestrado em Londres, a rede foi capaz de “reticular um modelo” e realizar o “aja local, pense global” em seu sentido mais positivo. Aberto a colaborações, o InfoAmazonia recebe conteúdos de uma rede de [colaboradores e] sites mediados por ONGs e movimentos socioambientais.

O Geojornalismo não seria possível de ser reticulado pelo mundo sem o JEO (1), uma tecnologia social capaz de reproduzir um modelo de tema em WordPress e assim produzir um novo portal de Geojornalismo por novas redes em qualquer território do mundo que viva conflitos.

Com tutorais, o JEO ajuda portais, como o InfoSãoFrancisco, a crescer com suas propostas. O próprio InfoAmazonia não foi “geojornalístico” desde o começo da sua história, em 2010, mas a partir de 2012 – conforme análise netnográfica realizada sobre as publicações da sessão “Notícias” do portal, que totaliza mais de 2300 notícias sobre a região da Amazônia ao longo de 8 anos de atuação do InfoAmazonia que totaliza  cerca de 2397 notícias em 96 meses,  uma média periódica de 25 publicações ao mês.

No InfoSãoFrancisco, coletânea de artigos georelacionados ao mapa “Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”. Fonte: InfoSãoFrancisco

O QUE PODEMOS DIZER SOBRE O INFOSÃOFRANCISCO?

Foi a Cartografia que aproximou, em 2019, os interesses da Canoa de Tolda (3) pela tecnologia social JEO, sobre a qual diversas compreensões técnicas de jornalismo e sugestões de adaptações de design e programação tem sido buscadas desde então por este “braço” da instituição dedicado à comunicação colaborativa e crítica, em outras palavras, dedicado à “contrainformação cidadã” e “contra a desinformação dos cidadãos” do Baixo São Francisco.

Ao longo de quase um ano de InfoSãoFrancisco (4), criado em agosto/setembro de 2019, podemos perceber a periodicidade de em média 5 publicações ao mês, o que enquadraria o site como um portal semanário e um repositório de mapas sobre o Baixo São Francisco que servem de fonte para diversas pesquisas globais e ações locais.

O QUE PODEMOS APRENDER COM O GEOJORNALISMO? 

Toda tecnologia social, seja ela digital ou não, deve ser adaptável a outros territórios além do que a criou. Existem tecnologias sociais isoladas, como em tribos amazônicas, mas não poderemos considerar esta uma “inovação social”.

A inovação do Geojornalismo, como outras tecnologias sociais, surge com técnicas flexíveis e escaláveis em termos de linguagem. O Geojornalismo é uma linguagem que surge da Amazônia e dialoga com o mundo, em inglês, espanhol e português, mas sobretudo, a partir da Cartografia.

A gramática que servirá no futuro para se produzir e reconhecer o Jornalismo está sendo escrita, a todo o tempo, ao redor do mundo.

Afirmamos que na Amazônia e no Baixo São Francisco estas “novas palavras” têm produzido resultados novos. No aspecto midiático, “novos mapas” e “novas narrativas”. No aspecto social, “novas concepções” e “novas percepções”.

Notas

(1) A plataforma Geojournalims.org foi uma base inicial de acervo de ferramentas de geojornalismo disponíveis para a elaboração de mapas a serem associados aos relatos (https://geojournalism.org/).

(2) 0 JEO é um tema aberto para a construção de sites onde as postagens são relacionadas, geomarcadas em mapas, ou camadas de mapas de modo a propiciar o melhor entendimento e análise da história contada (http://www.jeowp.org/; https://github.com/oeco/jeo; ).

(3) A Canoa de Tolda é uma organização não governamental, formalizada em 1998, voltada para as questões socioambientais (em particular o passivo produzido a partir da regularização do rio com a construção da UHE Sobradinho e intervenções posteriores) no Baixo São Francisco.

(4) O InfoSãoFrancisco, segundo seus idealizadores, foi concebido, desenvolvido e disponibilizado para atender à toda a bacia hidrográfica do rio São Francisco e suas regiões fisiográficas (Alto, Médio, Sub-médio e Baixo).

Referências

FALEIROS, G. Porque devemos falar em geojornalismo. Publicado em: 17/10/2013. https://escoladedados.org/2013/10/infoamazonia-porque-devemos-falar-em-geojornalismo/.

FALEIROS, G.. 5 anos de InfoAmazonia: o que aprendemos e para onde queremos ir. Publicado em: 19/06/2017. https://infoamazonia.org/pt/blog/cinco-anos-infoamazonia-aprendemos-queremos-ir/.

FLÔRES, V. Midiatização Amazônica: a construção sistêmico-discursiva do InfoAmazonia (Dissertação). Santa Maria-RS: UFSM, 2017.

ROCHA, L. V. O Geojornalismo como modelo do sistema pós-industrial In: Anais do 38º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom). Rio de Janeiro, set-2015.

SUBIRES-MANCERA, M. P. Los mapas en el Periodismo de Datos. Análisis temático y estudio de casos en prensa digital. Anales del VI Congreso Internacional de la AE-IC. Salamanca, jun-2018.

O autor

Antonio Heleno Caldas Laranjeira – Jornalista pela UFRB – Universidade Federal do Recôncavo Baiano, Pesquisador em Geocomunicações vinculado ao Grupo de Geografias da Comunicação Regional (GCR) da UFS – Universidade Federal de Sergipe. É colaborador da rede InfoSãoFrancisco.

Imagem em destaque – Ilustração por Daicê © 2020

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