CULTURA | PATRIMÔNIO NAVAL

REDAÇÃO | sábado – 25 de julho de 2020

Projeto Embarcações do Baixo São Francisco avança e garante a segurança dos dados e informações de mais uma embarcação tradicional do Baixo São Francisco que poderá, em algum momento, ser replicada e perpetuada

A situação crítica em que se encontra o Patrimônio Naval do Baixo São Francisco não permite que sejam adiadas – ainda que com as inúmeras restrições e impedimentos em razão da pandemia da Covid-19 – algumas das atividades do projeto Embarcações do Baixo São Francisco. O que é possível de realização em meio à quarentena, é executado da melhor forma, prevendo, no futuro, que possam ser continuadas as campanhas ao longo do rio. É o caso do prosseguimento das digitalizações de dados já coletados para a recuperação dos “DNAs” de cada embarcação, possibilitando a construção dos modelos virtuais e seus planos de linhas, base para a elaboração futura dos planos de construção.

Daia Fausto, modelista, na construção dos modelos da taparica de várzea. Foto: Carlos Eduardo Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

Outra atividade possível e em curso é a construção da coleção de modelos em escala 1/20, pequenos “clones” de seus antepassados em escala real.

É o caso da construção dos modelos da taparica de várzea, pequena canoa de um pau só, que foi utilizada para a pesca nas várzeas alagadas da região da foz do São Francisco (em Alagoas, as várzea da Marituba e da Boacica e em Sergipe, a várzea do rio Betume).

Assim como sua “mãe” em tamanho natural, o modelo é escavado com ferramental variado e as características da embarcação de referência são incorporadas: torções do casco, empenos, desgaste pelo tempo de uso, reparos, coloração.

A construção do modelo físico é fundamental, junto com as visualizações em 3D do modelo virtual, para a análise das técnicas tradicionais que permitiram a concepção e realização dos barcos reais.

A pequena taparica irá se juntar aos demais modelos da Coleção Embarcações do Baixo São Francisco possibilitando o melhor conhecimento da riqueza da tecnologia naval tradicional da região.

A precisão da manutenção da escala é controlada ao longo da confecção dos modelos. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

Para a execução dos modelos é importante o conhecimento das embarcações padrão reais, o que permite a fidelidade nos detalhes. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

O conjunto de peças de modelos de taparicas de várzea. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

O protótipo do modelo da taparica de várzea na fase final de construção, próximo do acabamento. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

A taparica das várzeas

A taparica de várzea é uma embarcação de casco redondo (daí a nomenclatura clássica genérica e dita “dos antigos” de taparica, que também se aplicava às demais embarcações de cascos com seções redondas, inclusive as cavernadas e movidas a vela) realizada a partir de um tronco escavado na enxó (em geral tronco de mangueira, jaqueira, cedro) e destinada à pesca nas várzeas da região da foz do São Francisco. Foi desenvolvida exclusivamente para a navegação em águas muito abrigadas, calmas, sem ondulações, como os alagados das várzeas.

Ocorrência original das taparicas de um pau só. Cartografia: Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

De pequeno porte, entre dois metros e dez a no máximo três metros (de acordo com a disponibilidade de matéria prima), as taparicas eram utilizadas para a pesca nas zonas alagadas das várzeas da Marituba e Boacica, em Alagoas e Betume, em Sergipe. Podiam também ser encontradas em riachos ou “bocadas” nas ilhas a jusante de Penedo, ou canais da região da Paraúna, com características de mar semelhantes às das várzeas. Foram empregas na pesca de peixe, de camarão com covos, gamboas de varas, groseiras de anzóis, cuvu). Tinham a capacidade de carga muito limitada, podendo suportar uma ou duas pessoas não muito pesadas. Em muitos casos observados, poderiam ser consideradas como embarcações “pessoais”, para um único tripulante que, em geral, ficava em pé, propulsionando a canoa com vara ou remo.

Este tipo de canoa de um pau só pode ser considerado extinto. Os derradeiros exemplares documentados em atividade, em estado crítico de conservação, foram fotografados em 2009.

Na Marituba, uma das últimas taparicas navegando, em 2009. Foto: Carlos E. Ribeiro | Canoa de Tolda

A canoa Madonna foi a primeira embarcação a ter seu DNA preservado

A Madonna possui um dos mais belos cascos do Baixo São Francisco. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

A canoa de corrida Madonna abriu a coleção Embarcações Tradicionais do Baixo São Francisco e é um dos mais belos cascos de canoa (nomenclatura de gênero feminino para embarcações “rombeadas” ou com casco de seções redondas).

Localizada em Piaçabuçu, AL, resume, assim como as demais canoas e barcos de corrida em todo o Baixo São Francisco, suas navegações às corridas em festejos tradicionais como os do Bom Jesus dos Navegantes, Festa de Reis e outros.

O conjunto de peças de modelos de taparicas de várzea. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

O conjunto de peças de modelos de taparicas de várzea. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

Sustentabilidade do projeto através da comercialização de modelos

Manter uma iniciativa como o Embarcações do Baixo São Francisco não é navegação com vento em popa, pelo contrário. As diversas atividades deste longo inventário envolvem deslocamentos, viagens de varredura para identificação e seleção das embarcações “padrão”, negociações com proprietários das embarcações para a realização das medições, permanências nos locais onde se encontram os exemplares selecionados para as medições, levantamento fotográfico e realização de croquis, análise dos dados obtidos, inserção nos programas para desenho dos cascos e construção virtual dos mesmos, elaboração de plantas (linhas e de construção) e, finalmente, a construção dos modelos em escala 1/20.

Até o momento, todas as etapas estão sendo realizadas com recursos próprios que são insuficientes para o suporte de um projeto tão amplo (deverá se estender aos sub-médio e médio São Francisco, que foram diretamente, nos anos 40 a 60 do século passado, influenciados pela tecnologia naval do Baixo São Francisco).

Com o objetivo de captação de mais recursos, uma das soluções encontradas é a venda dos modelos à medida que são realizados.

Para cada modelo de embarcação são realizadas diversas unidades em quantidade determinada pela complexidade e/ou porte de cada embarcação. Todas as peças são numeradas e contam com respectivos certificados de origem e autenticidade. As embarcações são despachadas para qualquer local (no Brasil ou exterior) em embalagens seguras e prontas para montagem (seguem instruções).

Dentro de algumas semanas os modelos disponíveis estarão anunciados neste site para que os interessados possam, havendo interesse, reservar sua peça e criar uma bela coleção.

O PROJETO EMBARCAÇÕES DO BAIXO SÃO FRANCISCO

Imagem em destaque – Taparica na Marituba. Carlos E. Ribeiro Jr | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

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