Via O Eco | Carolina Lisboa

sexta-feira – 19 de julho de 2019

Análise da UNIVASF apresenta resultados onde todas as amostras de mel não-orgânico da região do Vale do São Francisco estão contaminadas com pelo menos um dos oito tipos de pesticidas analisados.

O site O Eco acaba de publicar matéria sobre a contaminação do mel não-orgânico produzido na região conhecida como Vale do São Francisco, no Sub-Médio São Francisco, que tem com pólos as cidades de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. Segundo a Univasf, análises comprovam a contaminação do mel ali produzido por uma série de pesticidas, comprometendo gravemente uma importante atividade na região.

A publicação do artigo é pertinente e preocupante para o Baixo São Francisco, pois ocorre quase que de modo simultâneo com a divulgação dos resultados da Expedição Científica Rio São Francisco 2018, realizada pela UFAL e parceiros, cujas análises das águas do rio comprovam a presença de inúmeros agrotóxicos.

De acordo com o artigo do O Eco, a região do Vale do São Francisco, que abrange os estados de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, vem se destacando desde a década de 70 por sua produção de frutas, hortaliças, uvas e vinhos e, mais recentemente, por sua produção de mel. Mas não são os produtores os únicos responsáveis por esse sucesso. Insetos polinizadores como abelhas africanizadas, abelhas nativas e mamangavas (abelhas do gênero Xylocopa) respondem por boa parte da polinização dos cultivos e fornecem um serviço ambiental essencial e gratuito para a fruticultura. Esse serviço está ameaçado pelo aumento na liberação de agrotóxicos, principalmente neonicotinoides como o clotianidina, o imidacloprid e o tiametoxam; e o fipronil, produto proibido na Europa há mais de uma década.

Os produtores de maracujá do Vale do São Francisco já sentem a ausência da mamangava nos seus cultivos e 70% das flores já são polinizadas de forma manual (técnica chamada popularmente de “fazer fruto com as mãos”). Em outros cultivos, como melão, por exemplo, caixas racionais de abelhas africanizadas estão sendo alugadas para tentar minimizar a redução das abelhas nativas. Nessas colônias locadas, tem sido recorrente o desaparecimento ou mortes de abelhas.

Segundo Aline Candida Ribeiro Andrade e Silva, pesquisadora de Ciência da Terra e Meio Ambiente e pós-doutora em Genética e Evolução de Insetos do Cemafauna, na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em Petrolina (PE), a origem do problema que vem acontecendo com as abelhas da região não é local: “Esse cenário de mortandade e desaparecimento das abelhas começou em meados de 2016, nos Estados Unidos, e vem acontecendo em todo o mundo. Em maio de 2019 foram registradas 169 novas liberações de pesticidas no Brasil. Concomitante – o que não podemos chamar de coincidência –, as narrativas dos apicultores daqui da região são que as colônias estão desaparecendo, que nas caixas que eles locam para as áreas de cultivo agrícola as abelhas estão morrendo, ou então que essas colônias não voltam. Eles narram coisas do tipo ‘das 60 colônias que eu loquei para meu cultivo de mangas, de melancia ou de melão eu só recebi duas ou três’, e eles precisam arcar com esse prejuízo. Outro ponto que eles colocam é quando o apiário está muito próximo dessas áreas com uso de pesticidas”.

Devemos citar que, também no Baixo São Francisco, por razões ainda não esclarecidas, verifica-se uma queda acentuada na ocorrência de colônias de abelhas tanto nativas como africanizadas, as chamadas Europa. Produtores tradicionais do alto sertão estão enfrentando dificuldades crescentes para manter a sustentabilidade de suas iniciativas.

Diante das narrativas de desaparecimento e morte das abelhas, Andrade e Silva e seus colaboradores coletaram alguns espécimes para análise, mas o resultado ainda não saiu. “O que fizemos, então, para antecipar as investigações sobre esse problema de saúde pública foi fazer análise do mel. Nossos parceiros, que são os próprios apicultores e presidentes das associações, pagaram as análises e elas foram feitas na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, mas as amostras estão aqui na Universidade do Vale do São Francisco (UNIVASF) para serem reanalisadas pela Universidade de Cardiff, na Inglaterra, e nessa ocasião serão analisadas abelhas e mel”, esclareceu a pesquisadora.

Foram analisadas 468 amostras de mel quanto à presença de resíduos de fipronil, tiametoxam, dinotefuran, imidaclopride, nitenpiram, acetamiprode, tiacloprid e glifosato. Destas, 78 amostras, provenientes de produção orgânica, foram negativadas em relação aos pesticidas. As demais tiveram cada uma registro de pelo menos um dos pesticidas analisados. “O glifosato é considerado cancerígeno e letal. Se ele é cancerígeno do ponto de vista de inalação e toque (dermatogênico), imagine se for consumido. Os criadores de abelhas demonstram preocupação e já estamos trabalhando em conjunto para ampliar o número de amostras a serem cedidas pelos produtores de mel. Face a produção de mel da região do Vale do São Francisco, os resultados aqui indicados não somam mais que 3% do que poderá ser feito em colaboração com todos os criadores para resultados mais robustos. Por hora, os resultados são preliminares e têm a intenção de sinalizar e provocar criadores de abelhas e produtores da região para um problema que já é realidade em outros estados do país”, alertou Andrade e Silva.

O conflito tem gerado ações judiciais

Andrade e Silva esclarece que os apicultores têm recorrido ao Ministério Público de seus respectivos estados. Em Petrolina, consta no Ministério Público de Pernambuco a Notícia de Fato nº 46/2019 encaminhada ao órgão para investigação e o Auto 2019/19985, que versa sobre o aumento da mortalidade de abelhas próximas às áreas de irrigação. Junto a estes procedimentos está o laudo, em Nota Técnica 03/2019 da UNIVASF, com detalhes sobre o grau de contaminação e pesticidas presentes no mel.

Pesquisas recentes alertam sobre o problema  que não afeta apenas a região

Em 2014, uma pesquisa online contínua foi lançada na internet com o objetivo de avaliar as perdas de colônias de abelhas no Brasil. As ocorrências a partir de 01 de janeiro de 2013 foram aceitas para serem postadas na conexão do site www.semabelhasemalimento.com.br/beealert, bem como em aplicativos para smartphones e tablets. Até 31 de dezembro de 2017, 322 casos foram qualificados e validados para análises. Os resultados mostraram uma perda total de 49,7% de colmeias produtivas no período; em 86,7% dos casos os agrotóxicos foram relatados como responsáveis pela morte ou desaparecimento das abelhas; os inseticidas neonicotinoides e o fipronil lideraram as listas de agrotóxicos (55,9%) e o estado de São Paulo deteve 47% dos registros de mortes de abelhas no Brasil.

O site BeeAlert organiza uma rede de dados colaborativa sobre a situação de insetos polinizadors no mundo. Imagem | BeeAlert

Os resultados do estudo foram publicados na revista Apidologie em maio deste ano.Outro estudo publicado na mesma revista em julho deste ano mostrou que análises toxicológicas em 114 amostras de abelhas mortas e vivas coletadas no campo possuíam contaminações únicas e múltiplas, onde se registrou a presença de fipronil em 55,3%, tiametoxam em 21%, imidacloprid em 5,3%, nitenpiram em 1,8% e outros agrotóxicos em 11%, sendo estes amplamente utilizados em plantações de cana-de-açúcar e pomares de laranja na região agroindustrial do noroeste do estado de São Paulo.

Foram estimadas mais de 2 bilhões de abelhas mortas nos registros contabilizados no período. As abelhas africanizadas (Apis mellifera) e as abelhas nativas jataí (Tetragonisca angustula) foram as espécies mais prejudicadas, seguidas das mamangavas e abelhas nativas eussociais e solitárias, conforme relatado na pesquisa, que durou cinco anos.

Soluções

Para Aline Andrade e Silva, possíveis soluções para o problema devem abranger medidas educativas, administrativas e de comunicação de risco: “Acho que um trabalho de conscientização dos produtores acerca do uso dos pesticidas é um bom começo, embora as fiscalizações nas instâncias municipal, estadual e federal devam determinar e notificar os crimes contra a fauna previstos em Lei. Outra forma de lidar com esse problema é divulgar o que tem acontecido e propor planos de manejo sustentável e ações mitigadoras ou de compensação com vistas a reduzir o uso de pesticidas”, indicou a pesquisadora.

Quanto ao Baixo São Francisco, não são conhecidas, até o momento, pesquisas específicas voltadas para o desaparecimento de insetos polinizadores e eventual relação com insumos agrícolas e ainda a redução de seus habitats, pelo avanço das zonas desmatadas.

Fontes

Site O Eco

Imagem em destaque – Agência Alagoas

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