Rede InfoSãoFrancisco / sexta feira – 31 de maio de 2019
A adoção de cercas vivas em todo o perímetro da Reserva Mato da Onça será essencial estrutura que, além da proteção da área, incrementará as ações de restauro e de conservação com boas chances de irradiação para o entorno.
Cercas: caras, duração limitada, indispensáveis
Uma das grandes preocupações na proteção de uma UC – Unidade de Conservação é sua proteção física através do fechamento de sua poligonal com cercas (normalmente, montadas com estacas de madeira, concreto ou mesmo metálicas e arames farpados ou lisos, quando não há risco de invasão por animais de criação). Seja qual for o material, é uma estrutura em geral cara, exige permanente acompanhamento, manutenção e no caso das estacas de madeira, a durabilidade é limitada, cerca de dez anos para peças de sabiá (no caso específico de cercas no semiárido, onde as poucas chuvas não favorecem colônias de insetos com cupins) evidentemente com certificado de origem.
Em locais onde há a problemática criação extensiva de gado, sobretudo caprinos e/ou ovinos no entorno da UC o número de fios de arame farpado passa dos tradicionais cinco fios, para sete ou mesmo oito, encarecendo consideravelmente o cercamento.
Ao mesmo tempo, a cerca deve permitir a passagem dos animais silvestres da região que, de forma natural, acorrem para a zona protegida, pois ali se sentem a salvo de agressões por parte de seres humanos, principalmente de caçadores, capturadores em geral. O exemplo recente da ocorrência de onça parda e jaguatirica, carnívoros de topo de cadeia, sem registro há cerca de vinte anos no Mato da Onça comprova a busca da fauna por um local seguro.
Cercas vivas para a Reserva Mato da Onça
O caso da RMO – Reserva Mato da Onça não foge a esta regra. Manter a UC íntegra, aos avanços do gado da vizinhança (sobretudo caprinos, que não são seletivos e devoram praticamente todo o tipo de vegetação) foi, logo após a aquisição, uma necessidade de prioridade máxima, sendo a criação da RPPN – Reserva Particular de Patrimônio Natural o principal objetivo (o processo de criação se deu imediatamente após a lavra da escritura, em 2014). Foram inúmeros os conflitos com vizinhos que, sem o devido cuidado com seus animais de criação (sobretudo caprinos e ovinos), permitiam que os mesmos adentrassem a poligonal da Reserva, cujas caatingas contrastam com a situação da degradação no entorno, que ainda contava com cercas precárias vindas dos proprietários anteriores. Estes, por diversas razões não realizaram manutenções, prejudicando a fase inicial dos processos de restauro.
Em 2018, através do Projeto Opará, em cooperação com a UFS – Universidade Federal de Sergipe, via edital Petrobras Socioambiental, foi possível a instalação de uma cerca inteiramente nova em todo o perímetro da RMO, incluindo seu anexo, o Sítio Barra do Riacho, permitindo que, de fato, a UC passasse a estar protegida da invasão de animais não silvestres.
No entanto, em nosso programa Caatingas – Meta 2035 estava prevista como uma das ações, a transformação das cercas em zona adicional de área recuperada, com a adoção de cercas vivas compostas por um sistema de espécies nativas, recuperando uma tradição secular hoje completamente esquecida no semiárido do Baixo São Francisco.
Durante esta semana teve início o plantio das mudas – produzidas pelo Viveiro da Reserva – de espécies mais resistentes que formarão a base do conjunto vegetal que fará o cinturão de cerca viva ao longo do perímetro da RMO.
O conceito atual das cercas vivas, diferente das de antanho (estas com o objetivo de proteção densa, para o confinamento do gado criado de forma extensiva nas caatingas ainda com estrutura florestal abundante. Caatingas que acabariam, literalmente, na boca e patas do gado, além de outros usos predatórios) procura, além da proteção física da UC, ampliar suas zonas florestadas criando um atrativo cinturão ecológico de transconectividade em todo o perímetro da poligonal.
Numa faixa que no presente é costumeiramente ocupada apenas pelas estacas, arames e os aceiros (zona dita “limpa” para circulação ao longo da cerca e proteção contra as insensatas e perigosas queimadas), produz-se uma zona florestada com espécies extremamente rústicas, espinhosas, que possibilitam a consolidação de ecossistemas que contribuem diretamente para a conservação das demais áreas da UC. Temos um real ganho de área com biomassa.
No caso das cactáceas, como mandacarus, facheiros, xique-xiques, bugios, quipás, alastrados, há um considerável estoque de água e, com suas fulgurantes floradas e frutificações, a atração de fauna essencial para a polinização e propagação, a saber, morcegos, insetos, aves.
Também as macambiras e croás, bromélias das mais resistentes, forram o chão como verdadeiros radiadores de calor, retendo água em sua folhagem na qual se instala uma rica e movimentada microfauna que se agrega ao ecossistema local.
E, finalmente, como arbustivas, principalmente catingueiras, que associadas às demais, compõem a camada superior, o micro dossel com sua galharia que acolherá, além dos cipós também reintroduzidos, aves, iguanas, saruês, primatas e outros elementos da fauna.
Sem dúvida, uma vez evoluído o crescimento das espécies, a composição visual é bela e cativa passantes nas zonas da RMO contíguas a pequenos trechos de estrada. É bom andar por estradas bonitas, sombreadas, frescas. Paisagem também deve ser conservada e sendo boa é elemento que contribui para a saúde coletiva.
As ações de plantio de mudas nativas na RMO contam com o apoio do Projeto Opará, com recursos do edital Petrobrás Socioambiental, através de cooperação da Canoa de Tolda com a UFS – Universidade Federal de Sergipe.
Imagem do topo – A composição do cinturão ecológico no entorno da Reserva Mato da Onça significa muito tempo de trabalho. Muitos quilômetros, difíceis acessos, condições climáticas nem sempre ideais. Mas é inadiável. Imagem | Canoa de Tolda
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