Desde o início da atuação da Sociedade Canoa de Tolda no Baixo São Francisco, estamos realizando o registro fotográfico da vida ao longo das margens e da zona costeira da região.
A partir de então, foi montado acervo que, atualmente, é composto por cerca de oitenta mil imagens produzidas unicamente pela Canoa de Tolda. A essa coletânea temos ainda inúmeras fotografias cedidas por colaboradores, parceiros ou ainda adquiridas em outras fontes.
Como referência aos vinte anos da Canoa de Tolda em seu movimento completados em 2018, passaremos a publicar uma série de matérias com seleção das imagens mais significativas desde os idos de 1997.
Algumas imagens mais antigas foram produzidas a partir de fotografias em suporte analógico e não tiveram, na época, digitalização adequada, comprometendo a qualidade do registro. Esse material está em processo de recuperação.
Com a terceira parte, seguimos, com o registro de imagens do que foi vivido, com mais um pouco da história da canoa Luzitânia desde sua aquisição pela Canoa de Tolda.
Carlos Eduardo Ribeiro Junior
Publicado em 14 de abril de 2019
1999
As margens do rio, no povoado Curralinho, nos idos de 1999, eram vastas, mais limpas, sem as feias ocupações de qualquer tipo de construção “o prefeito deixou fazer meu bar aqui”. A percepção do “lugar do rio” ainda era válida, um pacto no limiar do rompimento, assim como o cada vez mais tênue laço com a paisagem em risco. Como que no aguardo da chegada da água para ocupar seu lugar, a água retida nos reservatórios a montante. Era ainda, sobretudo, um espaço das crianças, que brincavam, jogavam bola, queimada, banhos de rio na boca da noite.
Imagem | Canoa de Tolda
Nos São Joões do Mato da Onça pré eletrificado, os candeeiros a gás nas casas, eram o alumeio inspirador para as caracterizações para a festa. Do negro carvão nos dedos e faces, surgiam, na penumbra, figuras imperdíveis para o hoje extinto forrozinho pé-de-serra, coisa de véio.
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2000
No confronte ao Araticum, no final de 2000, a chata Oiapoque, uma das derradeiras remanescentes do tipo, atravessando gado para Alagoas. Sistema ainda utilizado até o início do século 21, este tipo de transporte hoje é raro. Embarcações de trabalho, mesmo a motor, já quase não existem, bem como a criação de gado tem restrições de movimento entre os estados por questões sanitárias. A chata Oiapoque não mais existe, morreu na margem, esquecida.
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2001
No início do século 21, no Mato da Onça, os derradeiros vestígios da tradição oleira do alto sertão do Baixo. Desse povoado, como do Pantaleão, mais acima, e outros, as canoas partiam carregadas com tijolos, ladrilhos, telhas, para as construções de casas em todo o Baixo. Hoje, poucos sinais desta atividade são visíveis. Foram destruídos pelos proprietários dos terrenos para dar lugar a cultivos incipientes, sem grandes resultados.
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2002
Esses sítios arqueológicos têm importância capital: a produção das olarias estava diretamente relacionada às navegações tradicionais das canoas, ao apogeu das navegações, da economia vazanteira. São locais que nunca foram referenciados, protegidos, denotando o valor real do passado do Baixo São Francisco. Além dos produtos cerâmicos, as toldas e chatas também transportavam barcadas e barcadas de tonelada: pedaços de madeira das caatingas em processo contínuo de devastação, para queima nos fornos.
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Com diversas iniciativas no Mato da Onça, principalmente as obras de restauro da Luzitânia, tínhamos rotina mensal de deslocamentos entre Aracaju e o sertão. O único transporte, precário, era a linha Aracaju/Niterói dos ônibus da péssima Santa Maria. Raras vezes não ficávamos na estrada, contando com as virtudes mecânicas dos motoristas que, tal pilotos franceses da Aéropostale do ínicio do século 20, que reparavam seus aviões no deserto ou em pleno oceano, no meio da estrada, envergavam seus macacões, ferramentas em punho, para tirar os passageiros do sufoco.
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No meio da estrada, muitas vezes ao longo da noite, a ainda muito complicada comunicação do ainda não popular – e caríssimo – celular era uma possibilidade de socorro. Às custas da boa vontade de passageiros, que cediam seus aparelhos e créditos. As fisionomias explicitam os ânimos. Os motoristas tinham que ser, além de mecânicos, diplomatas para negociar alguns segundos para o pedido de socorro.
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A caieira do Saco Grande. É o único remanescente dos fornos de cal em todo o Baixo São Francisco. A cal, produto das rochas calcáreas na região, era queimada ao preço das caatingas do entorno que, sendo devastadas, demandavam madeiras de mais longe. Outro produto diretamente ligado ao transporte tradicional de canoas no Baixo. A imagem, de 2002, se comparada com o presente, atesta a agressão que tão importante edificação, sem qualquer proteção, a caminho do fim, sofreu nos últimos anos.
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Povoado Niterói, Porto da Folha, sol a pino. Confronte a Pão de Açúcar, o povoado em 2002 não tinha água encanada e a energia elétrica era recém instalada. A ligação com Aracaju se dava com os imprevisíveis e precários ônibus da Santa Maria. Os 200 km mais longos de Sergipe: cinco horas de viagem no mínimo. Hoje a estrada foi asfaltada e o povoado foi literalmente engolido e descaracterizado pelo avanço do chamado progresso. Era um lugar, hoje uma mera passagem, sequer uma placa com nome, periférica de Pão de Açúcar.
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Com a energia elétrica recém chegada no início de 2003 o Mato da Onça, como tantos povoados, começaria a sofrer uma série de transformações. As noites onde a pequena comunidade se reunia em torno da única TV (a bateria, carregada no motor da lancha que fazia a linha para a rua), deixaram a mini praça vazia e as casas trancadas com o plim plim ecoando pela ruela de chão, os sapos caçando grilos eram os donos do pedaço.
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O chamado porto “de baixo” de Pão de Açúcar, que atendia às lanchas da travessia de Niterói (SE) e linhas para jusante, ainda era profundo, menos poluído, no final dos anos 90. O brilho das pinturas das lanchas indicava um período ainda viável para as suas operações que rendiam um sustento.
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Seguida ainda a vida isolada no Mato da Onça. A lâmina d’água do rio, bem mais próxima da margem do povoado comprova a inversão dos volumes de vazão (em relação aos ciclos naturais extintos com a barragem de Sobradinho e piorados com a operação de Xingó) a partir das operações dos barramentos.
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Nas tardes as brincadeiras de final de tarde das crianças eram, quase que obrigatoriamente, na água, que ainda corria com maior força, mais limpa. Hoje, no desastre a partir das vazões reduzidas desde 2013, o brejo feio do beiço do rio, é fato, não proporciona mais qualquer encanto, ou prazer de se estar.
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2003
O litoral norte de Sergipe, na área sul da Ilha do Arambipe (no estuário da foz do São Francisco) na Reserva Biológica de Santa Izabel (que foi o principal instrumento de proteção da zona costeira sul da foz), contava com atividades do TAMAR, na proteção de locais de postura de tartarugas marinhas.
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De um lado do Arambipe (nesta região, uma estreita língua de areia, restinga perfumada, com as cacimbas d’água boa de beber) o canal da Parapuca, a parte salgada de transição do Velho Chico, rumo à Barra das Araras, do outro, o mar, com tardes intermináveis, assim como as linhas do horizonte, da costa, das arrebentações, a se perderem para o sul ou para o norte. Um dos derradeiros pontos ainda desertos do litoral do nordeste.
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Naquele início de século, os remanescentes de pescadores que vinham de rio acima, da água doce, para a pesca na água salgada. De lugares como Neópolis, Penedo, Ilha das Flores, em busca do já – cada vez mais – escasso peixe. Arranchados nos apicuns, a água de beber não faltava nas cacimbas frescas.
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Ao sul a derradeira barra, a barra das Araras que, franca, permitia um trecho de navegação menor em mar aberto até Aracaju. A ligação do São Francisco com o restante do litoral sergipano. Região ímpar que, sem qualquer proteção para o derradeiro local com alguma biodiversidade essencial no estuário, hoje sucumbe à carcinicultura liberada pelos órgãos ambientais.
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Imagem em destaque no topo – O Mato da Onça, em 1998. Imagem | Canoa de Tolda