Desde o início da atuação da Sociedade Canoa de Tolda no Baixo São Francisco, estamos realizando o registro fotográfico da vida ao longo das margens e da zona costeira da região.
A partir de então, foi montado acervo que, atualmente, é composto por cerca de oitenta mil imagens produzidas unicamente pela Canoa de Tolda. A essa coletânea temos ainda inúmeras fotografias cedidas por colaboradores, parceiros ou ainda adquiridas em outras fontes.
Como referência aos vinte anos da Canoa de Tolda em seu movimento completados em 2018, passaremos a publicar uma série de matérias com seleção das imagens mais significativas desde os idos de 1997.
Algumas imagens mais antigas foram produzidas a partir de fotografias em suporte analógico e não tiveram, na época, digitalização adequada, comprometendo a qualidade do registro. Esse material está em processo de recuperação.
Nesta terceira parte, o registro da vida ao longo das margens do Baixo abrange o início do século 21. Tempo de grandes transformações para toda a região.
Carlos Eduardo Ribeiro Junior
Publicado em 26 de abril de 2019
2003
No porto da marinha (designação para apicuns, como o que ali existia, permitindo o adentramento das embarcações até o pátio da feira – em seguida aterrado pela prefeitura) de Brejo Grande, o ocaso das travessias para o Piaçabuçu, na banda de Alagoas, em canoas motorizadas. O advento dos predatórios barcos com motores de rabeta estava próximo.
Imagem | Canoa de Tolda
Nos idos de início de século 21, as rodagens da região no Mato da Onça eram encaradas de pés e no lombo de jegue. Nada de moto, carro menos ainda. Dona Nida, da Conceição, vinha todas as semanas, do centro (denominação de locais mais distantes das margens) para lavar uma panaria de fazer medo. Era o dia todo na água ensaboando, batendo, espremendo roupas, trabalho pesado que a macharia sempre entendeu como “coisa de muié”. A viagem ainda era feita numa estrada mais sombreada, com as caatingas ainda razoavelmente preservadas.
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Também na mesma época, a ainda razoavelmente preservada região do litoral norte de Sergipe, entre Pirambu e a foz do São Francisco, contava com a Reserva Biológica de Santa Izabel como Unidade de Conservação que ainda intimidava, com inúmeras restrições e atuação da fiscalização e impedia o avanço da especulação imobiliária, a partir de Aracaju. Região com remanescentes de Mata Atlântica, brejos magníficos, lagoas de água doce, restingas, as nascentes da várzea do Betume, as imponentes dunas de Santa Izabel.
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A região da várzea do Betume, nos municípios sergipanos de Pirambu, Pacatuba e Ilha das Flores, guardava uma das mais ricas paisagens de extensas dunas imensas, brejos, lagoas de água doce e salgada, manguezais (nas barras do sul do São Francisco). Tudo na mira dos especuladores e do início da carcinicultura que mordia áreas de manguezal sem qualquer escrúpulo.
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No porto do Saramen, com a foz ao fundo, povoado sergipano em Brejo Grande, na foz do São Francisco, o pequeno número de barcos indicava uma aindapequena ocupação da região. A população removida do Cabeço, destruído pelo mar, se virava, no conjunto construído cerca de 1 km do local, sem qualquer estrutura de saneamento, serviços públicos como coleta de lixo, para buscar algum rumo para o futuro. As profundas transformações da região, alvo da predatória especulação imobiliária e das empresas de exploração de petróleo, já estavam em curso e se mostraria um processo acelerado.
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Do Saramem, mirando para cio acima, no horizonte, a cidade de Piaçabuçu, em Alagoas, de acesso bem mais fácil do que a sede do município, Brejo Grande. Naqueles anos o acesso por terra ainda era precário e a população do povoado ainda mantinha os seculares vínculos com a banda alagoana. Que, por sua vez, estando distante de Maceió – a estrada asfaltada era algo recente – sempre buscou Aracaju para necessidades de maior monta.
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As ocupações do Saramem, por questões de acirrados conflitos fundiários com os proprietários da terra – a fazenda Capivara, de propriedade de familia antiga do Penedo – eram todas em taipa, palha, como o barraco da Gil. Esta zona viria a ser tragada pelo mar a partir do constante recuo da linha costeira do norte de Sergipe (pela regularização do rio, sem aporte de sedimentos retidos pelos barramentos). No inverno, com os ventos de sul, o avanço do mar era mais acelerado, mais violento.
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Nas brenhas do alto sertão do Baixo São Francisco, no centro (denominação de localidades afastadas do beiço do rio), pelos altos detrás do Mato da Onça, na Conceição, o isolamento – mas ali vivia gente, como qualquer lugar – casa de Dona Nida. Ali, naquele descampado, uma pequena possibilidade de um futuro menos duro para algumas crianças tentava sobreviver, a pulso.
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Pois na casa de Dona Nida, professora Nida, pelo dia, funcionava uma escola de alfabetização para as crianças da redondeza. Meninas e meninos que vinham queimando as cabeças e as solas das japonesas, fininhas no calcanhar, furadas; de jegue, de bicicleta, muitas por uma merenda minima fornecida pela prefeitura.
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No inicio do século 21, o turismo de massa preparava seu ataque à região da foz, que ainda guardava os derradeiros vestígios de uma paisagem quase que intocada. A foz do São Francisco era “vendida” como uma das derradeiras costas com praias virgens, intocadas, sobretudo para a clientela do sul, ávida por novos “produtos turísticos”. Anunciava-se, ainda, a redenção da região, com grandes benefícios para a população, vivendo em situação crítica, sobretudo com a quebra da economia agrícola do Baixo, pós regularização (e o fim das cheias que promoviam a grande produção agrícola do sertão ao litoral).
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Em 2003 a Canoa de Tolda deu início a uma iniciativa com a realização de diversas visitas/aulas com alunos de escolas secundarias entre Penedo/Brejo Grande e a foz. As navegações se davam a bordo da lancha Cédila Denize, de Neópolis, a antiga canoa de tolda Itabajara (a Itabajara, do caneiro Chico de Guilherme).
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Naquelas chuvas de inverno de 2003, até que molhado, as caatingas solfejaram, verdejaram e a vida segue, ainda num rojãozinho de lugar isolado, no Mato da Onça. A Luzitânia, agora com os trabalhos de restauro retomados, é protegida por uma nova cobertura provisória. Durou vários anos…
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Dentre as rotinas dos períodos passados no Mato da Onça, nas obras da Luzitânia, as descidas para a rua (a sede do município, Pão de Açúcar), nos cedos das manhãs. A ilha do Belmonte, das três ilhas do sertão (Belmonte, São Pedro e dos Prazeres), ainda era uma ilha (isso é assunto para outra prosa).
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No povoado Niterói, município sergipano do Porto da Folha, a grande novidade foi a abertura da Escola de Informática e Cidadania Marizeiro. Uma parceria com o Grupo de Jovens Marizeiro, o CDI – Comitê para a Democratização da Informática e a Canoa de Tolda possibilitou o projeto. Nunca se carregou tanto computador “antigo” na cabeça, entre Aracaju e o sertão pelos terríveis ônibus da finada Santa Maria. Tempos muito interessantes.
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Imagem em destaque no topo – As margens alagoanas da foz do São Francisco, na APA de Piaçabuçu. Imagem | Canoa de Tolda