Área de Proteção Ambiental da Foz do São Francisco
Antecedentes: Litoral norte de Sergipe e foz do São Francisco em risco
Em 2003 o governo de Sergipe acirrou sua investida para o litoral norte de Sergipe. Tinha-se como certa a construção da ponte sobre o rio Sergipe, ligando Aracaju ao município da Barra dos Coqueiros (obra que de fato se concretizou, sendo finalizada em setembro de 2006, com impactos negativos de monta, cumulativos e crescentes nos municípios litorâneos entre a foz do rio Sergipe e a foz do rio São Francisco). Este projeto, preparatório para criar um acesso ao
litoral norte e qualificado pelo governo do estado como “sonho” da população sergipana, em nada atendida às necessidades básicas das comunidades ao norte do estado, sobretudo as difusas. A construção da ponte significaria, com toda a certeza (e como podemos constatar no presente), o avanço irreversível da especulação imobiliária e o comprometimento do patrimônio natural ainda, no início do século 21, em estado razoável de preservação no litoral norte.
Na mesma época, e parte do mesmo projeto de avanço para a foz, havia a recente construção da estrada asfaltada entre a Barra dos Coqueiros e o município Pirambu, ao norte, na margem esquerda do rio Japaratuba. A estrada asfaltada rasgou zonas de APP – Área de Preservação Permanente com dunas, restingas ainda intactas, sem qualquer compromisso para com o rico patrimônio natural ainda bem preservado. Os órgãos ambientais não esboçaram qualquer
movimentação. Em seu trecho final, chegando ao perímetro urbano de Pirambu, a estrada contou com a construção de uma tosca ponte, baixa, sobre rio Pirambu, fragmentando e comprometendo a paisagem e ocupando de forma impositiva espaço de comunidades ribeirinhas no local.
No presente, o município da Barra dos Coqueiros foi transformado em zona metropolitana periférica de Aracaju, contando com enclaves/condomínios de classe média alta na sua antiga zona rural. E, com a distância entre a foz do São Francisco e a capital sergipana resumida, a pouco menos de 100 km, também os municípios de Pacatuba (zona litorânea), Ilha das Flores e Brejo Grande, em Sergipe, e Piaçabuçu, em Alagoas ficaram inteiramente vulneráveis à expansão da já citada zona metropolitana aracajuana.
No município de Brejo Grande, na margem sul da foz do São Francisco, vários eventos ou situações configuravam perspectivas nada favoráveis para os anos vindouros:
1- a destruição do povoado Cabeço (com sua comunidade realocada para um precário conjunto habitacional no povoado Saramem, no continente) provocada pelo recuo da linha costeira (ver ACP APA da Foz), indicando o passivo socioambiental provocado pela interferência dos barramentos no regime de vazões do rio São Francisco e o aporte de sedimentos que eram a base da linha costeira norte do estado de Sergipe. A inadequada instalação da comunidade no Saramem, também deixou clara a nebulosa política pública voltada para ações compensatórias de efeitos negativos de grandes empreendimentos.
2- a mortandade dos caranguejos uçá (problema que se verificava em todos os estuários do estado de Sergipe sendo que até hoje não apresentado e/ou resolvido de forma satisfatória, tendo caído, de forma conveniente, no esquecimento da sociedade de modo geral) habitantes dos então extensos manguezais entre a barra das Araras, na Ponta dos Mangues e a foz do São Francisco, apontando a crítica situação da conservação da última zona produtora de alguma biodiversidade no trecho baixo do rio São Francisco, o canal da Parapuca. Deve ser mencionado que já se notava, na época, morte de trechos de manguezais costeiros, provocados por mudanças na dinâmica da foz do São Francisco, sobretudo na faixa imediatamente ao sul da ilha do Arambipe, na Costinha, na Faísca e na Barra do Funil.
3- o avanço acelerado e sem controle de órgãos ambientais da carcinicultura (criação de camarões em viveiros, atividade que hoje não para de se expandir em toda a margem sergipana da foz, nos municípios de Brejo Grande e Pacatuba) sobre manguezais e apicuns dos municípios de Brejo Grande a Pacatuba.
4- A pressão pela compra de terras com o objetivo de instalação de resorts e/ou outros empreendimentos, inclusive para simples especulação, no aguardo da consolidação das infraestruturas do apregoado progresso: a ponte Aracaju-Barra dos Coqueiros, o asfaltamento da rodovia SE-100 (rodovia que liga Pirambu aos municípios de Pacatuba e Brejo Grande, hoje, em 2019, em processo de asfaltamento).
A construção coletiva da proposta da APA da foz do São Francisco
A partir do panorama apresentado eram necessárias ações que buscassem alguma forma de salvaguarda das populações, dos ecossistemas, biodiversidade e paisagens daquela região. O caminho possível, em 2003, levava ao processo de criação de uma UC – Unidade de Conservação, na categoria APA – Área de Preservação Ambiental, pelas implicações claras das inúmeras aglomerações rurais, com pessoas, comunidades, estabelecidas há tempos na região.
Como ação inicial, foi realizada a mobilização para criação e organização do ConFoz – Conselho Comunitário da Foz do São Francisco. Para tal, a Canoa de Tolda, com apoio de diversos setores da sociedade civil local, convocou, mobilizou pessoas nos pequenos povoados de Brejo Grande e Pacatuba. Com o ConFoz organizado, o desenvolvimento de uma proposta bem estruturada de UC – Unidade de Conservação teria representatividade e a indispensável legitimidade da
aspiração popular coletiva.
Para a elaboração da proposta da APA da Foz do São Francisco, foram estabelecidas parcerias com instituições de ensino, como a UFPE – Universidade Federal de Pernambuco, a UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, BA; a UFCG – Universidade Federal de Campina Grande (campus Patos), na Paraíba e, diretamente com professores da UFS – Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju.
O suporte técnico para a proposta da UC traria para a demanda popular teria o respaldo para a aceitação da proposta pelo IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Tanto para a elaboração da proposta, como para a mobilização das populações inseridas no desenho inicial da poligonal da APA, foi fundamental o apoio do IBAMA de Sergipe, que proporcionou, além dos técnicos (especialistas em Unidades de Conservação e o pessoal do NEA – Nucleo de Educação Ambiental), a logística para deslocamentos em toda a região.
Assim, através de reuniões públicas promovidas por esta entidade, se fortalecia o ConFoz e se construía gradativamente, de forma coletiva, a proposta inicial da APA da Foz do São Francisco.
Ocorreu, no entanto, durante a fase de mobilização e organização das populações, um conflito com o CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que percebia a implantaçãoda APA da Foz de maneira distinta, sobretudo pela visão de que fosse implantado um mosaico de Unidades de Conservação. A Canoa avaliava (e até hoje mantém esta posição) que a visão do CBHSF, naquela época, era mais complexa e não atendia de forma adequada a indispensável gestão participativa da UC.
Independente desta situação, o ConFoz e a Canoa de Tolda, cientes da legitimidade de suas aspirações, apresentaram a proposta da APA da Foz no evento Conservação da Foz do Rio São Francisco, promovido pelo CBHSF e diversas outras entidades, no dia 11 de setembro de 2003, no auditório do BANESE – Banco do Estado de Sergipe em Aracaju. O evento deixou claro, pelo fato de não favorecer o deslocamento de representantes das comunidades afetadas pelo projeto
(a Canoa de Tolda, através de articulações com a Prefeitura Municipal de Brejo Grande, obteve um ônibus para o transporte de representantes das diversas comunidades da região afetada), que a proposta elaborada pelo CBHSF e o então chamado Grupo da Foz (agremiação de pessoas e entidades organizada pela Câmara Consultiva Regional do Baixo São Francisco, braço do Comitê para a região fisiográfica do Baixo São Francisco) não contemplaria adequadamente a
participação popular tanto na elaboração da proposta como também na gestão da futura UC.
Em outubro de 2003, avaliando que a vulnerabilidade na região era crescente (tínhamos informações de que o governo do estado pretendia, vendo a movimentação popular, lançar a criação de uma UC com desenho favorável ao seu projeto expansionista) e a Canoa de Tolda davam entrada da proposta no IBAMA, tornando-se, a partir daquele momento, proponentes formais do Processo 02001.005125/2003-01.
Em novembro de 2004, como havíamos alertado, o governo de Sergipe, através do decreto no. 22.995 de 09 de novembro, decreta uma certa Área de Proteção Ambiental do Litoral Norte, processo esse irregular, fora do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, dando início a um conflito judicial que se arrasta até hoje.
A foz do São Francisco, sem qualquer instrumento para sua preservação, rapidamente se degrada e pode ser considerada como região fora de qualquer prioridade socioambiental nas políticas públicas federais, estaduais e dos municípios de seu entorno.
Conheça mais sobre o conflito instalado em razão da APA da Foz, acessando:
Inquérito Civil Público – APA da Foz
Ação Civil Pública – APA da Foz
Imagem do topo – Porto do Saramem, em Brejo Grande, SE – Acervo Canoa de Tolda
DOCUMENTAÇÃO RELACIONADA
Proposta de Criação de Área de Preservação Ambiental na Foz do Rio São Francisco
Apresentação Inicial do Conceito de UC para a Foz
Apresentação – APA da Foz do Rio São Francisco – Formato Preliminar