O PROJETO LUZITÂNIA
Manter a canoa de tolda Luzitânia ativa, em perfeitas condições de navegabilidade, é o principal objetivo do Projeto Luzitânia (o que inclui, naturalmente, a conservação, preservação e proteção da embarcação). Esta prioridade foi estabelecida desde o início das negociações de aquisição da Luzitânia, ainda em 1999, pois era claro que seria uma das grandes dificuldades a serem encontradas em seguida ao seu restauro.
Com a volta da canoa Luzitânia às águas do São Francisco, em fevereiro de 2007, o projeto Canoa de Tolda foi finalizado: a Luzitânia, em cerca de quase 10 anos de restauro, estava em estado de marcha. Seria necessário, no entanto, um conjunto de ações para que a embarcação tivesse perfeitamente assegurada sua condição de navegabilidade de modo a manter a carreira (rota de navegação) da praia ao sertão, formando objetivo geral da iniciativa.
No início de 2008 foi desenvolvido o Projeto Luzitânia e apresentado ao MinC – Ministério da Cultura para enquadramento na Lei Rouanet – de Incentivo à Cultura, através do mecanismo do Mecenato. No final do mesmo ano o projeto é aprovado e, já tendo a Canoa de Tolda negociação avançada com patrocinador, é autorizada a captação de recursos para aplicação imediata nas diversas ações voltadas para a preservação da embarcação. Com duração de cerca de dois anos, o projeto teve uma renovação parcial com menos recursos, em 2010, quando foi finalizado e sua prestação de contas apresentada.
Independentemente da existência de um projeto formal, com patrocinador(es), as atividades previstas na iniciativa, muitas diárias, rotineiras, são essenciais para a manutenção da canoa Luzitânia e constituem um desafio: a canoa gera uma série de despesas fixas e sazonais para que permaneça em perfeitas condições.
Como a Luzitânia, ainda que tombada pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [1], não é objeto de qualquer linha particular de apoio financeiro (seja de órgãos do governo federal ou de governos estaduais), torna-se indispensável a captação de recursos de outras fontes e/ou convênios, inclusive através de patrocínio por parte da iniciativa privada. Estes recursos, quando possível, têm parte destinada para a formação de um fundo de emergência[2].
De forma específica, podemos listar os objetivos do Projeto Luzitânia:
1- manter preservadas visual e estruturalmente as características originais da canoa Luzitânia, tradicional embarcação cargueira a vela do Baixo São Francisco;
2- manter a canoa de tolda Luzitânia em perfeita ordem de marcha, garantindo sua permanência em atividade, como importante elemento sócio-cultural da paisagem do Baixo São Francisco;
3- valorizar, preservar e divulgar o patrimônio histórico/cultural naval do Baixo São Francisco;
4- valorizar, preservar e divulgar um dos mais importantes símbolos do patrimônio imaterial (afetivo) do Baixo São Francisco;
5- possibilitar a perenização das técnicas da arte naval tradicional do Baixo São Francisco através do exemplo do restauro da canoa de tolda Luzitânia;
6- garantir a operacionalidade da canoa de tolda Luzitânia para que possa atender a outras iniciativas da Sociedade Canoa de Tolda (a exemplo do Cine Beira Rio(r) – Cinema Itinerante do Baixo São Francisco e Rota das Canoas(r) – Navegações Tradicionais do Baixo São Francisco, );
7- possibilitar o acesso ao público em geral, para visitas guiadas a bordo da embarcação.
Apesar de ter sido objeto de um processo inovador de técnicas de restauro e conservação, sobretudo para o casco e superestrutura (a tolda, convés), a canoa Luzitânia é constituída/equipada com elementos compostos por materiais tradicionais, que exigem permanente acompanhamento, recomposição e, ao fim de suas vidas, substituição.
Podemos citar alguns: as velas, em tecido de algodão; as lonas (encerados) que compõem o ¨toldão¨, grande capota de proteção da carga, do convés da popa e da tolda (cabine) da proa; a mastreação, em troncos de pau-d’arco[3] ou folha larga; cabos (cordames) diversos, que se deterioram com os raios ultravioleta e umidade da região; a pintura geral, que deve ser refeita parcialmente (retoques) uma vez ao ano e totalmente a cada dois anos (a pintura do fundo, com o objetivo de impedir a adesão de organismos ao casco, em determinadas situação é feita a cada quatro a seis meses).
Um outro ponto a ser considerado diz respeito às navegações de rotina da Luzitânia – uma embarcação deste tipo, se imobilizada, tende a se deteriorar.
Uma vez ao mês, independente de outras iniciativas e/ou programas da entidade que utilizem a embarcação, a canoa Luzitânia deve fazer uma navegação rotineira, na região do porto em que se encontra, para verificação do estado dos componentes, arejamento do velame, reativação da pintura de fundo[4], treinamento da tripulação (a navegação com a Luzitânia é uma técnica/arte complexa e exige tempo de formação) além da indispensável divulgação da embarcação (um dos objetivos específicos do projeto de restauro era sua armação para navegar sem problemas).
A execução das atividades para a preservação dos elementos listados acima têm custo elevado não apenas para a aquisição dos materiais e/ou ferramental necessário, mas também para a contratação de mão de obra para os serviços[5]. O mesmo vale para as navegações que também têm custos mínimos como combustível para a lancha de apoio[6], a manutenção desta última, inclusive dos motores de popa (troca de óleo, componentes mecânicos, etc.) das lanchas de apoio, refeições de bordo, manutenção de equipamento de segurança obrigatório[7], etc.
Há que se considerar, ainda, que as faxinas maiores da Luzitânia devem ser feitas, invariavelmente, em terra: é quando ocorre vistoria externa do casco e eventuais reparos de locais que possam ter problemas. A operação para colocar uma embarcação deste porte fora da água, em uma região sem estrutura (além da dificuldade da entidade em ter acesso a recursos financeiros e/ou físicos para a atividade) é complexa. Como na região da foz temos coeficientes de marés relativamente elevados (da ordem de 1,8 m para baixa-mar ou preamar), em Piaçabuçu, AL, há a possibilidade de encalhe na estrutura-cavalete de apoio das balsas que fazem a travessia para Brejo Grande, SE.
Quando a Luzitânia se encontra no alto sertão, depende de montagem de sistema de peças de madeira de apoio para que seja arrastada para fora da água, o que nem sempre é tarefa fácil.
A manutenção da canoa Luzitânia ativa, além de preservar elemento afetivo da população das margens, também contribui para a preservação da cultura e história do Baixo São Francisco, com suas ramificações aos trechos médio e sub-médio do rio. Ao mesmo tempo, esta iniciativa se insere dentro dos objetivos do Projeto Barcos do Brasil (do qual a Canoa de Tolda é parceira), lançado em 2008 pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, através do DEPAM – Departamento de Patrimônio Material, na valorização, preservação e conservação do Patrimônio Naval brasileiro. Também, com a efetivação do Inventário do Patrimônio Cultural do São Francisco, realizado pelo IPHAN em 2009, o caso da Luzitânia contempla as propostas de ações estabelecidas no encontro de Petrolina, em julho de 2011, quando foi criado o Fórum Permanente do Patrimônio Cultural do São Francisco.
Veja na galeria de imagens abaixo as diversas atividades realizadas durante uma docagem para manutenção padrão da canoa Luzitânia.
Para conhecer mais sobre a Luzitânia, visite nosso acervo de imagens:
Notas –
[1] A canoa de tolda Luzitânia teve seu processo de tombamento iniciado no IPHAN em 2001, sendo notificada em novembro de 2008 e, definitivamente tombada em dezembro de 2010.
[2] A canoa Luzitânia permanece sem seguro desde que voltou a navegar, em 2007. Nenhuma seguradora aceitou fazê-lo até o presente, alegando se tratar de um patrimônio histórico, único, de valor incalculável.
[3] Ou ipê.
[4] A pintura do fundo, antiincrustante, é ativada durante a navegação, que elimina a camada mais externa, deixando uma nova superfície, mais ativa.
[5] Por esta razão, a Sociedade Canoa de Tolda, sempre que possível, agrega aos seus projetos aprendizes estagiários, com bolsa de remuneração, na tentativa de promover o interesse por atividades hoje em vias de desaparecimento.
[6] Por questões óbvias de segurança e valor do patrimônio, a canoa Luzitânia não sai de seu porto/ancoradouro sem o acompanhamento de uma das lanchas de apoio, equipadas cada uma com motor de popa de 30 hp, podendo a qualquer momento intervir como rebocador, ou auxiliar em alguma outra manobra.
[7] São itens obrigatórios, pela Marinha, a bordo : farmácia de bordo (perecível), coletes salva-vidas (com vida limitada), extintores de incêndio (recarga com validade de um ano), água potável, etc.
[8] A canoa Luzitânia foi utilizada por elementos do cangaço, inclusive Lampião, relato colhido de diversas fontes no sertão do Baixo São Francisco.
[09] Cine Beira Rio(r) – Cinema Itinerante do Baixo São Francisco – Projeto de exibições itinerantes de filmes, documentários, produzidos tanto pelo Núcleo de Audiovisual do Baixo São Francisco como por outros.
[10] Rota das Canoas(r) – Navegações Tradicionais do Baixo São Francisco – Projeto de estruturação de circuitos de turismo histórico/cultural/ecológico (apresentado ao Programa Monumenta) com a participação das comunidades (portos de escala da canoa Luzitânia) no fornecimento de serviços como hospedagem, refeições, circuitos locais, guias, etc., dentro do Programa TRAF – Turismo Rural na Agricultura Familiar, dos Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do Turismo.
[11] O projeto teve sua primeira fase concluída com sucesso, através da Lei Rouanet. Foi encerrado após o fim do período de execução.
[12] O projeto A Margem via Lei Rouanet, teve dois períodos de realização e foi encerrado após o término de seu prazo sem possibilidade de renovação.
Imagem do topo – A canoa de tolda Luzitânia no pé da ilha de São Pedro, Penedo, AL – Acervo Canoa de Tolda
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