BACIA DO SÃO FRANCISCO | LICENCIAMENTO DE BARRAMENTOS

REDAÇÃO VIA INFOSÃOFRANCISCO | sábado – 25 de julho de 2020

Ainda apresentadas como fonte de energia limpa, sem impactos ao meio ambiente – sobretudo pelos empreendedores – as barragens, na verdade, produzem muitos efeitos nocivos diretos e indiretos, para seres humanos, fauna e flora

Esta matéria, originalmente publicada pela Deutsche Welle, foi provocada pelo aquecimento do conflito pelas águas no Nilo, com a construção de mais uma barragem, em fase final, na Etiópia. O artigo original analisa como as grandes, ou mega barragens impactam o meio ambiente e examina, ainda, algumas alternativas.

A questão dos problemas provocados pelas grandes barragens (e também pelas PCHs – Pequenas Centrais Hidrelétricas, algo que será tema de outra matéria) é atual e diretamente relacionado com inúmeros conflitos que temos no Brasil: a começar pelo São Francisco, desde sua regularização com a construção da UHE Sobradinho em 1979 (precedida pela UHE Tres Marias) e as barragens subsequentes, e também as inúmeras hidrelétricas instaladas em rios amazônicos.

Ainda sobre o São Francisco, temos agora a possibilidade irresponsável de mais um barramento, a projetada UHE Formoso, no Alto São Francisco, a montante de Pirapora, que cria um conflito absolutamente desnecessário, pela obviedade da situação calamitosa em que se encontra o Velho Chico.

Barragens são muito frequentemente rotuladas como ambientalmente corretas, “verdes” ou “sem impactos negativos”. Apesar de serem classificadas como uma fonte de energia renovável, um olhar mais preciso mostra que tais empreendimentos estão longe de serem verdes.

A reportagem lista os principais problemas das grandes barragens

1. As barragens alteram os ecossistemas

Água é vida – E como barragens bloqueiam água, tal condição impacta a vida a jusante, tanto para os ecossistemas como para as populações. No caso da Barragem Etíope Renaissance (GERD, em inglês, para Grande Ethiopian Renaissance Dam), em construção na Etiópia e projetada como a maior fonte de hidroenergia elétrica da África, o Egito está temoroso de que as vazões serão reduzidas, comprometendo atividades como a agricultura.

Ecossistemas a jusante não dependem unicamente das águas, mas também dos sedimentos, e ambos são bloqueados pelas grandes barragens. Como o material sólido se acumula no reservatório artificial, as terras a jusante ficam menos férteis e os leitos de rios, de acordo com as operações e características geológicas, podem ficar mais profundos, ou, com a erosão, assoreados. Emilio Moran, professor de geografia e meio ambiente na Universidade Estadual de Michigan (Estados Unidos da América) descreve, em estudos, que a perda de sedimentos atinge a ordem de 30 a 40% com a construção de grandes barragens.

Com os barramentos a dinâmica do Velho Chico foi alterada sendo sua foz uma das zonas mais afetadas. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

“Rios transportam sedimentos que alimentam peixes e a flora ao longo do rio. Logo, quando se bloqueia o curso livre dos sedimentos nos cursos de água, temos como resultado um rio morto”.

E os ecossistemas, ao longo de milhares de anos, se adaptaram ao curso natural, sem interferências, que as barragens eliminam.

As grandes barragens também têm, sempre, uma grande “pegada”, forma simples de definir os impactos, nas terras a montante do empreendimento. Além do deslocamento de comunidades humanas, o enchimento de áreas para a criação do reservatório também mata plantas, e provoca a morte de animais por afogamento ou os força a procurarem novas áreas para seguirem suas vidas. Os reservatórios também fragmentam habitats valiosos e cortam corredores migratórios.

2. Barragens reduzem a biodiversidade e causam extinção

Espécies aquáticas, particularmente os peixes, são vulneráveis aos impactos das barragens. Moran explica que a barragem de Itaipu, construída na fronteira do Paraguai com o Brasil, nos anos 1970 e 1980, resultou em uma perda de aproximadamente 70% da biodiversidade.

“Na barragem de Tucuruí, construída nos anos 1980 na amazônia, houve uma queda de 60% na produtividade dos peixes”, completa Moran.

Muitas espécies de peixe dependem da condição de mobilidade com liberdade em um rio, seja para a busca pelos alimentos, ou para o retorno aos locais de seus nacimentos (a piracema). Espécies migratórias são severamente afetadas pela presença de barragens. Em 2016, a IUCN – International Union for the Conservation of Nature reportou a queda de 99% na pesca de esturjão e peixe remo – ambos espécies migratórias – em um período de trinta décadas. Sobrepesca e alterações nos rios são citadas como as maiores ameaças à sobrevivência das espécies.

Um estudo de 2018 elaborou uma previsão de que os estoques pesqueiros no rio Mekong (na Ásia) poderia cair em cerca de 40% como resultado de projetos de inúmeras barragens – com consequências não só para a biodiversidade, mas também para as populações cujas vidas e meios de subsistência dependem desses peixes.

Os impactos na biodiversidade são particularmente altos para animais ameaçados de extinção. E não apenas as espécies aquáticas. O orangutango Tapanuli – a mais rara espécie de grande primata, com apenas 500 indivíduos remanescentes – pode desaparecer se a construção de uma barragem projetada em Sumatra, Indonesia, se configurar. Barragens podem literalmente eliminar espécies.

3. Barragens contribuem para as mudanças climáticas (e são por elas afetadas)

Quando os reservatórios são enchidos, as florestas a montante são inundadas, eliminando, portanto, sua função de “sumidouros” de carbono. A medida em que a vegetação afogada se decompõe, a massa vegetal em decomposição nos reservatórios libera metano, um gás importante na produção do efeito estufa. Esse ciclo transforma os reservatórios em fontes de emissões – sobretudo os localizados em florestas tropicais, com crescimento adensado. Há estimativas de as emissões de gases do efeito estufa originada por barragens é de algo em torno de um bilhão de toneladas/ano, o que é uma fonte global significativa.

Conforme verificamos as mudanças do clima, estiagens mais frequentes e prolongadas significam que as barragens captarão menos água, resultando em menor produção de energia elétrica ( nota: as estiagens observadas recentemente na bacia do São Francisco são um exemplo). Países dependentes de hidroeletricidade estarão particularmente vulneráveis com o aumento das temperaturas.

Moran descreveu um círculo vicioso, por exemplo no Brasil, onde cerca de 60 a 70% de sua energia é produzida por hidrelétricas: “se você elimina metade da floresta úmida, haverá uma perda de metade da pluviosidade. Logo, não haverá água suficiente para suprir a demanda [de água] de tais barragens”, explica.

4. Barragens prejudicam a qualidade da água

Reservatórios artificiais acumulam fertilizantes que chegam à água vindos das áreas no entorno. Como agravante, em alguns países em desenvolvimento, o esgoto é lançado diretamente nos reservatórios [nota: como é de conhecimento, no caso da bacia do São Francisco, a imensa maioria dos municípios não dispõe de saneamento básico ou sistemas adequados de tratamento de águas servidas]. Este tipo de poluição produz a floração de algas (os chamados blooms, em inglês) que absorvem o oxigênio da água, tornando-a ácida e potencialmente prejudicial para populações humanas e para a fauna.

O Baixo São Francisco, com infestações de algas e vegetação aquática em praticamente todo o seu percurso, enfrenta graves situações de qualidade da água precária. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

Também ocorre em grandes lagos artificiais que a temperatura no topo é maior que no fundo, comprometendo a qualidade da água. Enquanto a água aquecida promove o crescimento das algas nocivas, a água fria das zonas mais profundas que é lançada pelas turbinas geradoras, podem conter altas taxas de minerais prejudiciais concentradas.

Em alguns caos, a água nos reservatórios artificiais tem sua qualidade tão ruim que é imprestável para o consumo humano.

5. Barragens desperdiçam água

Nos reservatórios de barragens, com grandes áreas de água diretamente expostas ao sol, há muito mais evaporação do que na situação do rio correndo naturalmente, antes da criação da barragem. A estimativa é de que ao menos cerca de 7% do total da água necessária para as atividades humanas é evaporada dos reservatórios em todo o mundo a cada ano.

Este efeito é piorado em regiões mais quentes, Moran explicou. “Certamente que um reservatório em zona tropical onde ocorrem altas temperaturas haverá muita evaporação”, diz ele, e grandes reservatórios “estão, claro, evaporando constantemente”

Reservatórios também são um local perfeito para diversas espécies de plantas invasoras, e a cobertura de bancos de plantas invasoras sobre as águas leva à evapotranspiração – ou seja, a transferência de água da terra para a atmosfera, através da evaporação do solo e transpiração das plantas. Tal evapotranspiração é seis vezes maior que a evaporação da água da superfície. Também deve ser dito que barragens favorecem o aumento do consumo da água e promovem desperdício através da criação de uma falsa sensação de segurança hídrica.

Com a diminuição dos recursos globais de água doce disponíveis, há questionamentos sobre se barragens devem ser reconsideradas.

Quais seriam as alternativas?

A evidência é condenatória. Se as grandes barragens têm tantos efeitos nocivos ao meio ambiente, quais seriam as alternativas?

Apesar de alguns grupos – ditos verdes – apontarem a alternativa das PCHs – Pequenas Centrais Hidrelétricas como uma estrutura mais adequada em termos ecológicos, Moran é cético:”Uma barragem é uma barragem – bloqueia o peixe, bloqueia o sedimento”

Ele sugere que é necessário considerar não apenas a maximização da produção de energia, mas manter a produção ecológica. Uma opção citada por Moran é o uso de turbinas submersas na água (in-stream turbines)

Outras tendências voltadas para a proteção do meio ambiente propõem outras formas de geração de energia como a solar e eólica, pois teriam a capacidade produção mais limpa e a um custo ambiental bem menor.

Tradução – Carlos E. Ribeiro Jr | Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco

Fonte

DW – Deutsche Welle

Imagem em destaque – Composição – Base Stúdio Cisco

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