Via Redação / sexta-feira – 20 de setembro de 2019

Na Reserva Mato da Onça, todo rio é rio: mesmo os miúdos, secos, até então esquecidos. Programa Caatingas – Meta 2035 tem como uma das prioridades a recuperação de todos os cursos d’água na Unidade de Conservação e inicia o restauro de suas zonas ripárias

Talvez um dos mais complexos desafios em recuperação de caatingas no semiárido nordestino seja o reconhecimento da importância dos rios intermitentes e de seu essencial  papel nos diversos ecossistemas do bioma: o entendimento, pelas populações catingueiras, pelos gestores de políticas públicas, e mesmo pelo restante do país, de que aqueles rios e riachos de diversos portes que, em boa parte do ano permanecem com seus leitos secos e não percebidos como “um rio de verdade”, são sim, tão rios como os demais rios perenes, com águas que correm todo o ano.

Invisível, para a maioria das pessoas, o riacho, como tantos outros, é fundamental para a conservação do bioma e da água. Foto | Canoa de Tolda

A negação dos rios intermitentes como “rios de verdade” é uma situação que é ainda mais empedernida quando relacionada aos rios menores, os milhares e milhares de riachos que rasgam os sertões de modo capilar e formam centenas de micro sub-bacias do São Francisco “botando” (tendo seus leitos com água) poucas vezes ao ano.

Com a devastação das caatingas e o avanço da desertificação, os corpos d’água intermitentes têm ainda mais suas atribuições de “rio de verdade” comprometidas. Como todos os rios perenes, também devem ter matas ciliares, suas APPs – Áreas de Preservação Permanente respeitadas e protegidas. Na época das trovoadas, com chuvas torrenciais pontuais, as devastadas caatingas não contam com suas matas para proteger os solos do impacto das águas. Estas correm soltas, pelas encostas e naturalmente seguem os micro vales, os vales maiores, de cada riacho e de cada rio maior, carreando o que tiver em seu caminho, com potência que surpreende muitas vezes até mesmo aos que já conhecem tais ocorrências.

Em sua grande maioria, sobretudo em zonas próximas a centros urbanos, povoados, casarios, os rios intermitentes são hoje lixeiras onde de tudo se encontra: sucatas; restos de móveis; lixo variado; lixo hospitalar; entulhos de obras; pneus e plástico, muito plástico. Tudo pronto para ser carreado, quando nas trovoadas, e chegar aos rios maiores e, finalmente, ao São Francisco.

Além do lixo, como “não são rios de verdade”, também são agredidos de forma violenta pela extração ilegal de areia; invasão de proprietários de animais que ali criam seus rebanhos; construções ilegais, tudo sem fiscalização. Pobres rios e riachos catingueiros.

Os principais cursos d’água na RMO em recuperação. Em verde, a zona já beneficiada com a primeira camada de macambiras. Imagem | Google Earth

Mas, na Reserva Mato da Onça, cortada por três pequenos riachos, dentre eles o Bebedô, com belas cachoeiras nas chuvas, os riachos são uma das prioridades no Programa Caatingas – Meta 2035.

Nos últimos dias, já na quadra final das chuvas do inverno razoável de 2019, foi iniciado o subprojeto voltado para a para a recomposição das zonas ripárias de um deles. Um riacho com alguns palmos de largura, invisível para muitas pessoas que, ao “botar”, se apresenta como pequena joia serpenteando pela depressão que forma seu micro vale a caminho de sua foz, no anexo da RMO, no Sítio Barra do Riacho.

No limite norte da RMO, a chegada do riacho ao território da Unidade de Conservação Em amarelo as margens de referência. A flecha vermelha, a direção do fluxo. Foto | Bloco de anotações Canoa de Tolda

Aproveitando uma situação emergencial (a prefeitura está refazendo estradas na região e em vários pontos haverá alargamento das mesmas, com a eventual eliminação de vegetação nas bordas da via), estão sendo removidas milhares de macambiras para realocação ao longo dos riachos e outros pontos no interior da poligonal da RMO. Os plantios das macambiras aproveitam a umidade residual na zona dos riachos o que garante um sucesso substancial, a partir de técnicas já bem desenvolvidas de extração, realocação além de organização da distribuição de cada planta.

Segue o riacho. As setas verdes apontam para as macambiras realocadas de sua origem arriscada para um local seguro. Foto | Bloco de anotações Canoa de Tolda

Uma das intenções com esses plantios, além da proteção das zonas ciliares dos riachos, é a propagação da espécie para as demais áreas da Reserva nos próximos anos. Por tal razão, de forma estratégica para o aproveitamento das correntes aéreas dominantes (de nordeste e sudeste), as ações estão ocorrendo na zona oriental da UC – Unidade de Conservação.

Nas próximas oportunidades meteorológicas, uma nova camada com outras espécies arbustivas (como catingueiras, pereiros) e cactáceas (como mandacarus, facheiros, bugios) virá fazer companhia às macambiras, respeitando a organização de variedades já observada nesta zona.

A visão do pequeno riacho, antes uma “valeta oca”, agora com suas margens gradativamente melhorando de aspecto é uma grande motivação para o prosseguimento.

Mais abaixo, um pouco mais largo, o riacho recebe sua primeira camada de macambiras. Foto | Bloco de anotações Canoa de Tolda

♦ A Reserva Mato da Onça é uma iniciativa permanente da Canoa de Tolda

♦ As atividades de plantio de mudas nativas e implantação do viveiro de mudas florestais na Reserva Mato da Onça contam com o suporte do Projeto Opará – Águas do Rio São Francisco (cooperação da Canoa de Tolda com a UFS – Universidade Federal de Sergipe, através do Programa Petrobras Socioambiental)

Imagem em destaque – Escondidos, pela vertente leste da Reserva Mato da Onça, correm vários riachos | Canoa de tolda © 2019

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