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segunda-feira – 24 de junho de 2019

Parcerias criadas a partir de interesse espontâneo de comunidades do entorno da Reserva Mato da Onça possibilitam a expansão de pequenas – porém essenciais – zonas de plantio garantindo mais segurança para a conservação do DNA das caatingas do Baixo São Francisco além de fortalecer o envolvimento coletivo na recuperação das matas.

Que as caatingas do Baixo São Francisco definham, dando lugar a zonas de desertificação em constante expansão, é algo bem conhecido há anos pelas sociedades e respectivos governos da região e federal que, infelizmente, permanecem passivos ante à acelerada detonação de tão rico patrimônio natural.Claramente, a conservação da biodiversidade do semiárido, diretamente relacionada com a sobrevivência de grande população ali vivento, não é, não foi e muito provavelmente, pelas perspectivas, não será alvo de políticas públicas consistentes e emergenciais. Talvez o reflexo do pouco interesse que as caatingas despertam na grande maioria das pessoas, mesmo em estados que contam com este bioma em seus territórios.

Por tal razão, anteriormente ao início das atividades do Programa Caatingas – Meta 2035 na RMO – Reserva Mato da Onça, o quadro crítico da conservação do DNA de espécies da flora do semiárido (a situação nas esparsas manchas remanescentes de Mata Atlântica da zona costeira do Baixo São Francisco, região da foz, é semelhante) do Baixo São Francisco foi considerado com total prioridade no desenho das ações previstas na iniciativa.
Na linha geral dos subprojetos voltados para a conservação do DNA das espécies –priorizando aquelas em situação mais vulnerável ou em risco imediato de extinção – temos a formação de um banco de matrizes no interior da poligonal da RMO ( seja com a produção de mudas por nosso viveiro da reserva, ou com o transplante de indivíduos em situação real de supressão por diversas razões) seguindo o processo de restauro e/ou enriquecimento das diversas caatingas encontradas na UC – Unidade de Conservação.

Por ser a RMO não tão extensa, 46 ha (hectares), percebemos que seria interessante encontrar uma forma de ampliar a segurança deste “banco vivo” de DNA,numa tentativa de estender áreas de plantio para fora da UC. Como se fosse backups de segurança em HDs (hard drives) externos, localizados em locais diversos, como fazemos em geral com os arquivos digitais de toda a nossa documentação.
No entanto, são ainda muito grandes as dificuldades para plantios de restauro, recomposição e ainda enriquecimento em outras áreas desvinculadas da RMO. De forma bem resumida, podemos listar que: ainda persiste pouco interesse na região por parte da maior parte dos proprietários, sejam de qualquer porte, que insistem até o presente em práticas seculares de usos e ocupações do território extremamente predatórias; da parte do poder público, também não são observados planos, projetos e/ou programas efetivos de conservação do patrimônio natural, tendo ainda péssimos exemplos de obras governamentais que degradam o meio ambiente sem qualquer reparo. De modo geral, mesmo as APPs – Áreas de Preservação Permanente ou RLs – Reservas Legais não têm sua proteção e conservação aplicadas, faltando, além do interesse das pessoas, uma fiscalização atuante e que exija o cumprimento da lei.

Ainda assim, entendemos que a conservação dos remanescentes de espécies era, ainda é, totalmente emergencial e merecia dedicação profunda em busca de uma solução para o “backup” do DNA das espécies já inseridas na RMO.

Pontualmente a RMO estende zonas de plantio que atuarão – com as famílias parceiras – como backup de DNA de espécies mais críticas e agregando mais pessoas ao restauro de caatingas. Imagem | Canoa de Tolda – Google Earth

Mas a solução se apresentou quase que de forma espontânea. Diversas pessoas de comunidades do entorno da RMO, cientes das atividades de restauro e da produção de mudas nativas, começaram a se interessar por diversas espécies e em particular – não é uma simples coincidência – por aquelas mais raras (e de rara beleza em suas floradas) como por exemplo os paus d’arco roxos, amarelos, as singulares barrigudas, as braúnas (árvores da legendária madeira negra, duríssima, durativa, utilizada para os cavernames das grandes canoas de tolda). E então foram surgindo solicitações de doações para “plantar um pé de pau bonito desses no cercado lá de casa’ acompanhadas de pedidos por espécies frutíferas “pra fazer um suquinho”. Muito bom, mas teríamos que estabelecer uma relação de responsabilidade daquelas pessoas para com as plantas e o projeto maior de conservação das matas das caatingas.

Ao mesmo tempo que entendemos a validade do interesse pelas mudas, muito positivo e significativo, indicando uma espontânea agregação de pessoas voltadas para a conservação das caatingas, era necessário o estabelecimento de um mínimo compromisso/contrapartida na cessão das plantas, seguindo a linha geral do restauro de que a contabilidade básica é feita sobre mudas pegadas e não simplesmente plantadas. Sobretudo pelo fato de que mudas de semiárido são de produção não tão simples, desde a coleta de (cada vez mais escassas) sementes, sua conservação, quebras variadas de dormência, germinação e o tempo de crescimento das plantas até o porte mínimo seguro para seu plantio.

Clodevaldo Caldeira e João Silva (com sua muda de barriguda), engajados nas ações de restauro da RMO, são dois dos guardiões de DNA com mudas em seus quintais. Imagem | Canoa de Tolda

As mudas cedidas, uma vez no chão, exigiriam cuidados, proteção (para não acabarem na boca de um jegue ou de uma ovelha) dedicação e água, a escassa água, sobretudo para os tempos iniciais de crescimento.

A partir da discussão com os primeiros interessados sobre o que estava em jogo ao receberem e plantarem as mudas, gradativamente criamos um procedimento de preparo das pessoas recebedoras. De acordo com o local de suas moradias, todos já conhecidos por nós, indicávamos: uma seleção de plantas com um número mínimo e máximo de acordo com a disponibilidade de água de cada família; a eventual melhoria na proteção das plantas (para não serem devoradas por animais de criação, por exemplo) e incluímos, além das espécies prioritárias marcadas como o “backup de segurança” do DNA , uma espécie frutífera de semiárido com embuzeiro, seriguela, cajazeira, cajueiro ou cajarana, para sedimentar a relação de mão dupla entre as partes.

Sim, formalizou-se ainda o compromisso de que as pessoas guardiãs das árvores nos fornecessem sementes no futuro. Funcionou.

Atualmente temos vários plantios de “backup de DNA no cercado” de diversas famílias no entorno da RMO, em Alagoas e Sergipe, onde o número base de mudas repassadas está entre quatro a seis, incluindo a frutífera.

É interessante que os vizinhos das famílias parceiras, vendo as plantas, bonitas, saudáveis, chegarem e sendo incorporadas aos quintais e prometendo uma bela arrumação paisagística dos terrenos (“esse pau d’arco roxo quando fulorá vai ficar lindo que só…pense na lindeza…”) também começam a se interessar em fazer parte desta rede de protetores e cuidadores de espécies em risco.

Gradativamente a rede vai se formando onde percebe-se, com grande satisfação, o interesse das crianças no trato das preciosas mudas em seus quintais.

Imagem do topo – No entorno da Reserva Mato da Onça, surgem núcleos – os quintais – de backup de segurança de DNA de espécies nativas. Imagem | Canoa de Tolda

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