Rede InfoSãoFrancisco / sexta-feira – 07 de junho de 2019

Numa região onde a grande maioria das pessoas, basicamente sem acesso à água para beber (o fornecimento por carros pipa, pela precariedade, não pode ser considerado como atendimento básico efetivo às necessidades humanas e ainda dessedentação animal), tenta alguma agricultura de subsistência dependente de fenômenos climáticos e meteorológicos, recuperação de florestas é algo difícil, bem difícil. E, a cada ano, com as mudanças do clima, as dificuldades aumentarão: recuperar caatingas é para ontem, anteontem.

O tempo ficou bonito, choveu, tem que plantar, é uma das regras de sobrevivência no sertão. Datas tradicionais, como o 19 de março, dia de São José, para o plantio do milho, com sua colheita esperada para o São João, no 24 de junho, até então seguidas rigorosamente como o calendário da lavoura, hoje não mais se ajustam com os ciclos climatológicos naturais das estações do ano. Mas, ainda assim, situações de maior pluviosidade podem ser aproveitadas sobretudo na recuperação tão urgente do semiárido do Baixo São Francisco.

Para garantir umidade por maior tempo nas raízes, casca de coco triturada, que também agregará matéria orgânica ao solo. Imagem | Canoa de Tolda

Nestas quinta e sexta feiras, estando com diversas zonas na RMO – Reserva Mato da Onça já preparadas para o recebimento das mudas estocadas e prontas para irem ao chão, as chuvas que chegaram ao alto sertão permitiram uma rápida resposta. As covas já se encontravam abertas, as linhas de irrigação de manutenção (apenas em zonas prioritárias específicas que serão a base do estoque de umidade para o avanço da mata) montadas, as mudas preparadas (na fase anterior ao plantio, há uma diminuição de cota de água nas molhas, para que as plantas não fiquem dependentes de maior umidade, sobretudo nos primeiros dias no chão)e a equipe, bem
afinada. Cada um sabe exatamente o que e onde fazer e o trabalho segue tranquilo, ligeiro, encadeado como numa mesa de cirurgia.

A chuva caindo grossa e as mudas saindo do pátio, para o transporte e distribuídas cada qual em sua cova, corte de sacos, plantio, arrumação da bacia, cobertura com matéria orgânica, uma poda de limpeza preliminar e partindo para a próxima. Debaixo do estimulante pé d’água, foi possível o fechamento de mais três áreas prioritárias, dentre elas uma futura mata (na zona de usos múltiplos, fora das caatingas, ditas “puras”) em sistema de agrossilvicultura (com frutas de semiárido e tradicionais de cultivo no sertão) que proporcionará, com sua produção, maior sustentabilidade para a reserva. Nela temos plantadas cajazeiras, seriguelas, embuzeiros e cajueiros de alta qualidade, dentre as principais frutíferas do semiárido e ripárias do Baixo São Francisco.

Para recuperar caatingas, conhecimento da área, planejamento e preparo são básicos

Na RMO, mesmo estando às margens do Velho Chico, a realidade também não é tranquila, pelo fato de a água “estar ali, de junto, pertinho” (por tal razão foi idealizado e instalado, com o apoio do Projeto Opará ,um sistema de irrigação de baixa pressão para garantir plantios em zonas específicas). O programa Caatingas – Meta 2035, para obter sucesso em suas metas, segue estratégias (e táticas para situações pontuais) para os plantios, como já apresentado, onde a linha geral é a perda mínima das mudas plantadas. Nossa contabilidade está apoiada nos números das mudas bem-sucedidas e não nos números absolutos de plantios.

Uma das áreas mais comprometidas pelos antigos proprietários, sendo transformada em zona de produção de frutos nativos. Imagem | Canoa de Tolda

Com uma equipe pequena, numa área onde os locais são de acesso difícil, solo difícil de trabalhar (cavar as covas para as milhares de mudas planejadas ao longo do programa – cerca de 200 mil – é um trabalho pesado, lento, sobretudo nas encostas pedregosas ou nos grotões), cada ação deve ser minuciosamente planejada, os esforços devem ser potencializados.

São estabelecidas as zonas prioritárias com maior potencial de sucesso e que proporcione base ecossistêmica para a expansão da mata para seu entorno. De acordo com a estação do ano, há o “seguir a sombra”, situação particularmente interessante nas encostas de sul e leste nos meses ditos de inverno. E, naturalmente, há que se ter disponível uma boa variedade de espécies (entre pioneiras, secundárias e clímax) que serão escolhidas prioritariamente de acordo com a estrutura da caatinga a ser recuperada ou enriquecida, e em seguida pela possibilidade de melhor “pega” para criar um ambiente favorável para os plantios sucessivos.

A entrada do grotão do riacho do Bebedô, é uma das zonas prioritárias do Caatingas – Meta 2035. Imagem | Canoa de Tolda

Até o momento, os procedimentos de recuperação de caatingas adotados na RMO proporcionam resultados interessantes, porém são constantemente revistos para melhorias que poderão contribuir para que cheguemos aos objetivos pretendidos em nossa data meta, 2035.

Os plantios realizados na RMO estão sendo apoiados pelo Projeto Opará, uma iniciativa da cooperação entre a Canoa de Tolda e a UFS – Universidade Federal de Sergipe, através do edital Petrobras Socioambiental.

Imagem do topo – O trabalho sob a chuva é estimulante para equipe e plantas. Imagem | Canoa de Tolda

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